Image Map

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Dilema de uma consciência (1951)


Vocês conhecem aquela música do grupo Só pra Contrariar, Mineirinho (não vou ler um post em que citam esse grupo farofeiro)? Nela tem um verso que poderia resumir muito bem minha relação, e acredito que a dos meus colegas de Cine Espresso também, com Doris Day: “O meu tempero faz quem provar se amarrar”. Doris Day pode representar o conservadorismo em pessoa, mas a verdade é que ninguém tinha esse tempero tão especial quanto ela. A moça era talentosa e infelizmente não foi valorizada como deveria. Toda vez que estou com um filme dela nas mãos, fico pensando no nível de farofa/polentice que virá. E aí você se pergunta: será que essa mulher nunca fez um filme que não seja polenta? A resposta é: SIM! E é desse filme que falaremos hoje: Dilema de uma consciência.

Na verdade, eu diria que Dilema de uma consciência usou a tal “polentice” de Doris (aka seu charme interioriano de Cincinnati, Ohio) de forma a construir um personagem convincente, vitimizado e que nos irrita e cativa ao mesmo tempo. Além disso, a polentice de Doris é confrontada com outra atriz, que ficou relegada aos filmes com Fred Astaire: Ginger Rogers. O filme é uma ótima oportunidade para vermos as duas atrizes saindo da zona de conforto e mostrando toda a extensão de seu talento.


Dilema de uma consciência por vezes nos lembra Uma rua chamada Pecado. No lugar de Blanche e Stella temos Marsha (Ginger Rogers) e Lucy (Doris Day), duas irmãs que lembram bastante as da obra de Tennessee Williams. Marsha é modelo e está indo para Riverport, mas passa em Rock Point, cidade sulista onde a irmã mora, para fazer uma visita. Inclusive a cena do reencontro entre elas é muito parecida com de Stella e Blanche. Lucy trabalha em um centro de recreação como garçonete e o ambiente lembra muito o lugar onde as duas irmãs de Williams se encontram pela primeira vez, o boliche. É a relação entre Marsha e Lucy que pauta o filme, que dá origem ao “dilema de uma consciência”.

Lucy (Doris Day) e Marsha (Ginger Rogers).


Isso porque lá pelas tantas, depois de chegar em Rock Point e ter que carregar suas malas sozinha porque um táxi se recusa a levá-la, Marsha presencia um assassinato. Ela vê alguém ser arrastado para fora da delegacia da cidade, ser espancado e levar um tiro. Nós vemos homens encapuzados, vestidos de branco, a KKK (Klu Klux Klan), autora desse ato tão odioso. O dilema da consciência da personagem é que o marido de Lucy, Hank (Steve Cochran) está envolvido, ele é membro da Klan e foi quem disparou o tiro. Entregar ou não entregar? O que Marsha irá fazer?

Como disse acima, o filme trabalha com a polentice de Doris, para nos mostrar o quão ingênua ela é. Lucy é uma versão menos ousada de Stella, muito apaixonada pelo marido, que suporta absolutamente tudo, inclusive a violência doméstica. Já Marsha é o oposto e essas duas personalidades se chocam o filme inteiro. Ginger está sublime como Marsha, e suas cenas ao lado de Doris funcionam muito bem. O papel estava destinado à Lauren Bacall, que recusou e foi colocada na geladeira pela Warner Bros, e acredito que o entrosamento não seria o mesmo se ela fosse irmã de Doris. Parece que não combina, sabe?

O filme foi uma tentativa da Warner Bros de fazer algo mais social, porém acredito que o tiro saiu pela culatra. O problema é que a KKK é abordada superficialmente, como uma organização que manda em Rock Point, não há ligação racial. Não há qualquer menção ao que a KKK realmente fazia, ou seja, linchar e espancar negrxs. Quer dizer, eles tangenciam a questão racial para mostrar uma KKK mais “leve”?



A violência doméstica também é abordada superficialmente, na verdade temos cenas muito chocantes, em que Ginger e Doris apanham em cena. Elas são atiradas contra a parede diversas vezes. Em 1951, era proibido mostrar violência na tela. Tanto é que se vocês repararem, as cenas de violência são suavizadas. Em Dilema de uma consciência não. A cena está completamente escura, mas você consegue enxergar Marsha e Lucy apanhando de Hank. Nos irritamos com Lucy porque ela parece estar cômoda naquela situação, talvez como mulher isso tenha me ofendido um pouco, mas não podemos julgar os outros por suas escolhas. Eu gostaria muito que Lucy tivesse largado o marido no filme, o que não fica bem claro se acontece ou não. Fiquei triste pelo relacionamento abusivo que Lucy vive em Dilema de uma consciência

Se você ainda tem dúvidas se deve ou não assistir Dilema de uma consciência, a resposta é sim, assista. Apesar dos deslizes, é um filme muito interessante, com reviravoltas surpreendentes e um elenco sensacional. Minha única mágoa é que este não seja um filme mais conhecido, pois, como disse lá em cima, é uma ótima oportunidade de ver os múltiplos talentos de Doris Day e Ginger Rogers. Bem, talvez com este post a situação mude um pouco de figura.



Publicado por Jessica Bandeira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário