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terça-feira, 23 de setembro de 2014

Violette (2013)


Meu lugar é dentro de mim mesma. O resto é vaidade.
Violette Leduc


O que me levou a Violette, primeiramente, foi a notícia de que no filme havia uma canção de Jeanne Moreau. Fui assistir ao trailer ingenuamente, e lá pela metade já estava dando berros. Para falar sobre os motivos desses berros terei de voltar no tempo, na época em que eu cursava as disciplinas de Literatura Francesa na faculdade.

Um dos motivos que me levaram para o curso de Letras, mas principalmente para a língua francesa, estavam ligados a uma escritora, carinhosamente chamada de mulher do lencinho entre meus amigos: Simone de Beauvoir. O ano era 2009, e foi na feira do livro que adquiri meus primeiros livros do Castor. Na época eu não lia em francês, mas achava que poderia decifrar os livros com o auxílio de um dicionário. La pauvre. Em 2010 comecei o curso de Letras e minha primeira tarefa, depois de chorar litros com o tamanho do acervo da biblioteca das humanas, fora pegar emprestado A convidada, um dos tantos romances da mulher do lencinho. Me apaixonei. Foi um amor arrebatador, eu queria copiar todas as citações no caderno de tanto sentido que faziam para minha vida. Beauvoir se tornou minha autora francesa predileta. No último ano de faculdade, lamentei para sempre o fato de não termos estudado melhor essa figura tão intrigante que ela foi. 

Simone de Beauvoir, mais conhecida como "a mulher do lencinho".


Por isso, quando finalmente vi a Simone, a minha mulher do lencinho, personificada na figura da atriz Sandrine Kiberlain, eu só poderia dar um berro. Mas mais do que isso: Simone de Beauvoir em um filme sobre uma autora francesa chamada Violette Leduc, que falou abertamente sobre aborto, homossexualidade e sexualidade feminina. Meu feminismo pira!

Violette Leduc.


Violette  é um passeio pela França dos anos 40 e 50, mas principalmente um passeio pela mente de uma mulher que expurgava seus demônios escrevendo. O filme é dividido em seis partes e cada uma delas tem o nome de alguma pessoa importante em sua vida. A primeira parte, intitulada “Maurice”, nos situa já no meio da vida de Violette, quando vivia um pseudo relacionamento com Maurice Sachs, escritor homossexual. Na realidade, Leduc fingia ser sua esposa, pois ele estava sendo perseguido. Estamos na época da 2ª Guerra Mundial. No começo a gente fica perplexo com a personalidade de Leduc. Baixa auto-estima, dependência dos outros. Essa é a Violette que a tela nos apresenta. Os desavisados podem odiá-la no início, talvez o filme faça este truque mesmo: nos apresentar a personagem sem seu background para odiarmos. A gente conhece o background dela e passa a amar. É o que acontece em Violette.

É o contato com o livro A convidada, de Simone de Beauvoir, que mudará os rumos da vida de Violette. Ela lê o livro e se apaixona (quem não se apaixonaria?). Estimulada pelo que leu, Leduc mergulha na escrita de um livro, com o objetivo de mostrar a Beauvoir. Ela segue a escritora, a observa pelo espelhinho no Café de Flore. Indiretamente ela está transferindo a dependência de Maurice para Simone. Depois de criar coragem, Violette entrega o livro à Beauvoir. É claro que ela lê e adora. L’asphyixie (Asfixia) será publicado pela editora Gallimard, na coleção Espoir, criada por ninguém mais ninguém menos que Albert Camus.

Da esq, para dir: Violette (Emmanuelle Devos) e Simone (Sandrine Kiberlain).


O filme nos mostra a ruptura dos limites que separam a literatura do mundo real. Violette escreve sobre Beauvoir, e talvez um dos momentos mais emocionantes do filme seja a narração em off da protagonista de trechos de L’affamée, poesia em prosa escrita sobre Beauvoir, enquanto ela se imagina com a escritora:

Eu sonhei que me amava, senhora
Eu sabia o que estava acontecendo enquanto você me amava
Meu lugar é dentro de mim mesma
O resto é vaidade
Chegue, solidão
Chegue com seus longos cabelos espalhados em seu rosto
Comece a preencher os órgãos do meu deserto
Meu coração, senhora, é minha cruz de honra


É lindo, poético e triste. Os limites de um amor platônico. Quem nunca sentiu o coração se dilacerar por causa de um amor não correspondido? A literatura de Violette nos convida a passear pelas ilusões de nossas vidas, dos amores que nunca foram correspondidos. Pelas desilusões que rasgam o peito. Neste momento, já estava torcendo loucamente para que Violette tivesse uma chance com o Castor. Leduc diz em certo ponto do filme que a literatura lhe dá o que a vida real não dá. Onde começa a realidade e termina a literatura? Ou as duas coisas andam juntas e misturadas? Não sei.

Violette é escuro, o que dá o ar perturbador que o filme pede. Interpreto a escuridão do filme como a escuridão do interior da própria autora. Quem é Violette? Seria uma mulher atormentada pelo fato de ser filha bastarda? Apaixonada por Simone de Beauvoir? Tenho a impressão de que só sua literatura nos mostra quem ela realmente é.

Além da escuridão, o filme foca muito nos pequenos detalhes, como as mãos. As mãos de Simone, as mãos de Violette que tocam as de Simone, a mão de Simone na coxa de Violette. As mãos dançam, se repelem, se tocam. É tão delicado. Porque sabemos como o amor lésbico é retratado no cinema às vezes como algo muito fetichizado. Aqui não. O amor lésbico é tratado, em Violette, com o devido respeito. Graças ao Nosso Senhor Padroeiro do Cinema Francês.




Leduc falou de aborto quando as mulheres ainda não haviam assinado o famoso manifesto, na França, assumindo que fizeram um. Falou abertamente de sua sexualidade, de seu corpo. Claro que pagou um preço alto por isso. Seu primeiro romance, Ravages, teve as primeiras 50 páginas censuradas na hora da entrega ao editor. Beauvoir sai em defesa da amiga e diz talvez uma das melhores frases do filme: Você não suporta que uma mulher fale abertamente sobre sua sexualidade, não é? Pois é. Porque Jean Genet, que também escrevia literatura “suja” e era homossexual, podia.  Mas Violette não. Pois então.

Só tenho a agradecer à Violette Leduc por uma obra tão verdadeira, tão ousada, que dá voz a nós, mulheres. E também a minha amiga Patrícia por ter me apresentado este filme tão sensível e bonito. Deixo-os com Aimer, canção de Jeanne Moreau que toca em determinado momento do filme:



Publicado por Jessica Bandeira.

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