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terça-feira, 31 de março de 2015

A carta (1940)

 He tried to make love to me and I shot him.

Talvez a primeira imagem marcante que tenho de Bette Davis seja a de seu rosto, num misto de loucura e coragem, após ter disparado contra um homem desconhecido na varanda de sua casa. Naquela época, eu dava meus primeiros passos como fã de Miss Davis e lembro da felicidade de ter finalmente comprado a edição de seu box, lançada pela Warner Brothers. A carta foi o primeiro filme dos quatro que integravam a coleção que assisti. Uau! Que belo começo! Você nunca mais esquecerá o rosto de Bette Davis (e tem como?) depois de assistir a esse filme.

Por quê? Porque temos trilha sonora de Max Steiner, amor, cinismo, ódio, atuações magníficas, affairs nos bastidores… tudo isso coroado pela mágica direção de William Wyler!






Em janeiro de 1940, a Warner Bros anunciou que Bette Davis iria atuar em um remake de uma peça de teatro chamada A carta, de Somerset Maugham. O autor transformou seu conto em uma bem sucedida peça de teatro que contou com Gladys Cooper no papel da personagem principal. Já no cinema, Leslie Crosbie, personagem principal da história, fora interpretada por Jeanne Eagels em 1927. Não era a primeira vez que Davis embarcava na nave louca Somerset Maugham, pois em 1934 ela interpretara Mildred em Escravos do Desejo, filme baseado em outra obra de Maugham, Servidão Humana.

Bette metendo bala em Escravos do desejo, 1934.


Além disso, seria mais uma dobradinha Wyler-Davis. A parceria entre os dois começou em 1938 com Jezebel. E esses dois eram uma rasgação de seda só! Ela é o sonho de qualquer diretor, dizia Wyler sobre Davis. E Davis sobre Wyler: “Ele ajudou a desenvolver meu potencial como atriz”. Sentiu cheirinho de romance no ar? Pois é, esses dois se envolveram e Davis afirma que ele foi o grande amor de sua vida. Infelizmente eles acabaram não ficando juntos, pois William não quis abandonar a esposa por ela.

O filme é baseado em uma história real que o autor ouviu na época em que foi à Malásia Britânica. Courtenay Dickinson, um promotor, lhe contou que representou a esposa de um diretor de uma escola para garotos que havia atirado e matado um amigo que viera lhe visitar quando seu marido estava fora. A mulher foi julgada e condenada à morte. Em A carta, temos Leslie Crosbie (Bette Davis), esposa de Robert (Herbert Marshall) , que atira em Hammond, um amigo da família. Mas por quê? Como assim?


O que eu adoro neste filme é a sua capacidade de sustentar o mistério e a atmosfera sobrenatural. Logo no começo, somos levados a conhecer as paisagens de Singapura, as plantações de borracha, os empregados que dormem. Tudo está em silêncio, só há o barulho do látex pingando da seringueira. De repente, essa calma é quebrada pelo som de tiros. A câmera nos leva para a varanda da casa da personagem de Davis, que descarrega as balas de um revólver em um homem desconhecido, num misto de loucura e coragem. Se existe alguém que sabe usar bem os olhos para atuar, essa pessoa certamente se chama Bette Davis! Você olha para eles e consegue ler rancor e loucura… Aliás, as Bette’s faces nesse filme são uma das melhores coisas do mundo. Ela olha para o céu e vê a lua cheia. Aliás, a lua é um elemento muito presente em A carta e, para William Wyler, foi uma forma de conferir uma atmosfera de mistério ao filme.

Calada noite pretaaa, noite preeeta!


O jogo de iluminação também contribui para o clima sombrio de A carta. Leslie Crosbie está encoberta o tempo inteiro por uma sombra, seria a sombra de sua culpa? Pode ser. O fato é que a iluminação em apenas uma parte do rosto, recurso muito utilizado nos filmes noir, confere uma dramaticidade maior à cena. Os olhos de Leslie são o centro das luzes, pois eles são a parte que a “entregam” digamos assim. Entregam seu cinismo.



É claro que o filme não é só Bette Davis. Os personagens secundários são impecáveis e eles merecem um parágrafo só deles. Herbert Marshall está estupendo no papel do marido cego de amores pela esposa. Você quer dar na cara dele em A carta e depois em Pérfida, outra das dobradinhas Wyler-Davis em que ele interpreta o marido bundão de Regina Giddens (Bette Davis). A cegueira do personagem de Marshall em A carta nos desperta raiva e sobretudo pena. James Stephenson está maravilhoso no papel do advogado Howard Joyce. Não foi à toa que foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante! Ele percebe que há algo errado com Leslie desde o começo e as cenas entre eles são sensacionais. Como nos filmes noir, Joyce acaba se vendendo, cedendo à corrupção. E como a maioria dos personagens desse tipo de filme, ele sabe que vai pagar caro por isso. Outro destaque, embora aparecendo pouco, é Gale Sondergaard no papel da esposa do falecido. A maquiagem pesada e suas roupas contribuem para criar uma espécie de aversão por sua personagem. Ela fala pouco durante o filme, mas nem precisa. Seus olhos, assim como os de Davis, falam pela boca.

Curiosidades:
  • O filme foi indicado ao Oscar de 1941 nas categorias “Melhor filme, “Melhor atriz, “Melhor diretor”, “Melhor ator coadjuvante”, “Melhor trilha sonora”, “Melhor montagem” e “Melhor fotografia em p&b”;
  • O final do filme e da peça diferem. Wyler teve problemas com a censura, que clamava por justiça em relação a um dos personagens do filme;
Publicado por Jessica B.

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