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segunda-feira, 9 de junho de 2014

Alguém tem que ceder (2003)



Como é engraçada essa relação com filmes. Eu os comparo com as pessoas às vezes: temos aqueles que não suportamos de maneira alguma, outros que até que vai e os que amamos de todo o coração. E a categoria mais importante dos filmes, aqueles que amamos tanto que chega a ser insuportável rever. Minha relação com Alguém tem que ceder é assim. Desde que o vi no cinema, no dia dos namorados do ano de 2003, com minha mãe, esse filme tem sofrido altos e baixos. Há épocas em que simplesmente me proíbo de vê-lo com medo dos efeitos colaterais. Épocas em que penso que nenhum personagem de cinema pode dizer tanto sobre mim quanto a Erica Barry encarnada por Diane Keaton em Alguém tem que ceder. E há outras épocas em que aceito que a carga emocional que ele me desperta é algo que precisa ser revivido, pelo bem da sétima arte, de vez em quando. Essa é minha ode a todos os românticos que leêm este blog. Alguém tem que ceder é sobre nós, que não temos medo de ceder quando necessário. 

O leitor deve estar se perguntando o que faz desse filme algo tão poderoso que me faça passar épocas sem revê-lo. Primeiramente eu diria que Alguém tem que ceder está para os anos 2000 como Annie Hall estava para os anos 70.  Esqueça aquelas comédias românticas pastelonas, como bem lembrou a Camila em seu post sobre Annie Hall, onde o protagonista encontra a mocinha, eles se odeiam, se apaixonam loucamente e vivem felizes para sempre. Não. Porque embora os personagens de Jack Nicholson e Diane Keaton se odeiem e se amem depois, o final feliz não é algo que vem de bandeja nesse filme. Alguém tem que ceder utiliza fórmulas clássicas desse gênero de filme e cria uma história espetacular, cheia de reviravoltas e diálogos maravilhosos. É a comédia romântica com mais frases inteligentes e espirituosas por minuto que já vi! Alguém tem que ceder é um filme verdadeiro assim como seus personagens. E é aí que ele ganha nossos corações. Além daquele sofrimento todo ao som de música francesa.

Nossa história começa com o casal Harry Sanborn (Jack Nicholson, preciso dizer mais?) e sua namorada, Marion (Amanda Peet) indo passar um final de semana na casa de praia dela. Bem, não exatamente dela e sim de sua mãe, Erica Barry (Diane Keaton). Eles chegam lá e estão prontos para começarem a se divertir quando a mãe dela aparece. Tudo isso em uma cena engraçadíssima onde Erica confunde Harry com um ladrão, o ameaça com uma faca de cozinha e está falando com a polícia até ele dizer que é o namorado de sua filha. Sublinhei “namorado” porque imagino que nenhuma mãe gostaria de dar de cara com um Jack Nicholson (sabemos a fama de malandro que ele tem) em sua cozinha. Erica fica chocada ao perceber que o “namorado” tem apenas 10 anos a mais que ela. No embalo dessa primeira cena em que nossos protagonistas se conhecem, a irmã de Erica, Zoe (Frances McDormand), também aparece. Era para ser um final de semana entre irmãs pelo que parece. No fim das contas, os quatro decidem ficar na casa e curtir o final de semana. Só que… Erica odeia Harry no primeiro instante.

Zoe, Erica e Marion.

Um dos méritos do filme de Nancy Meyers é discutir dentro da comédia romântica a questão da idade. Erica é uma dramaturga bem sucedida, escrevendo uma nova peça que se passa em Paris, e divorciada. Por alguma razão ela está sozinha e gosta disso. Do outro lado da mesa, temos Harry, um solteirão de 60 anos, que é assunto de revistas de fofocas e que namorou a jornalista Diane Sawyer. Os quatro personagens estão jantando quando começa uma conversa pra lá de tensa sobre idade. Quando Marion conta que Harry namorou Diane Sawyer, a reação de Erica é entusiasta. “Mulheres da sua idade adoram isso” – diz Harry. Então os personagens começam a trocar farpas até Zoe começar um discurso sobre como as mulheres mais velhas solteiras são massacradas enquanto esse estado é celebrado nos homens. Aqui acho que começamos a perceber que essa comédia romântica não se distancia da realidade. Sim, as mulheres mais velhas solteiras são massacradas. Mas mais do que isso: toda a felicidade do mundo se baseia em termos alguém. Será mesmo? Por que Erica não podia ser feliz mesmo estando sozinha? Bem, a sociedade acha impossível. E se você ainda tem alguma dúvida, vá até a banca mais próxima de jornal e veja quantas revistas não estão dando dicas para “apanhar o homem perfeito”. Ser solteira não dá. E nem ser feliz assim. Até a própria Zoe acaba admitindo que a sociedade age assim com essas mulheres.

O fato é que depois desse jantar às avessas, o casal sobe para o quarto enquanto Erica e Zoe lavam a louça. Elas escutam as risadas e, por mais que Erica o tenha odiado, ela sabe que ele tem algo a mais. Mas como estamos falando de uma comédia romântica, a primeira virada do filme acontece quando Harry sofre um infarto ao tentar transar com Marion e acaba tendo que ser levado para o hospital às pressas. Depois de certificarem-se de que está tudo bem, o médico Julian (Keanu Reeves) acaba recomendando que Harry não volte a Nova Iorque até estar completamente recuperado. E em que casa ele acaba ficando? Sim, na casa de Erica, a garota das “golas olímpicas” tão amada por Harry.

O roteiro é cheio de falas espituosas e engraçadas, que casam muito bem com os personagens. Uma das cenas mais engraçadas entre os dois acontece quando Harry indaga Erica sobre o porquê ela usa gola olímpica no verão. Abaixo reproduzo o diálogo em inglês:
Harry: I just have one question: What's with the turtlenecks? I mean it's the middle of summer.
Erica: Well I guess I'm just a turtleneck kind of gal.
Harry: You never get hot?
Erica: No.
Harry: Never?
Erica: Not lately.



Como toda comédia romântica clássica é claro que nossos protagonistas se provocam o tempo inteiro. Aqui é engraçado como a ficção se cruza com a realidade do filme, pois Erica, que antes estava sem ideias para sua peça de teatro, acaba adicionando muitos diálogos e acontecimentos entre ela e Harry em sua peça. Esperem até o Harry saber que será o assunto de uma peça de teatro, “motivo de riso em toda a Broadway”, para vocês verem o que acontece.

Alguém tem que ceder é sobretudo um filme sobre desatar os laços dos nossos medos. Como nossas forças, em algum momento, irão ceder como diz tão bem o título do filme. Alguém tem que ceder e é Erica que acaba cedendo ao sentimento que acaba nascendo entre ela e Harry. Ele acaba se revelando alguém que ela não esperava e posso dizer que é lindo acompanhar a evolução do relacionamento entre eles durante o filme. Uma cena particularmente mexe comigo até hoje: quando ele apanha uma concha para ela na praia. É uma concha negra, diferente de todas as conchas brancas que Erica coleciona dentro de um pote. E ela coloca no topo do pote. Harry é essa concha negra, diferente de tudo que ela já conheceu. Eles acabam tendo um envolvimento muito intenso, com direito a omelete, chuva e música francesa, mas a vida acaba batendo na porta e cobrando as contas. Erica acha que agora a coisa vai deslanchar, que eles vão namorar quem sabe. Assim, quando ele volta a Nova Iorque, ela acaba ficando saudosa daqueles momentos. Até em que durante um jantar, Erica flagra Harry jantando com outra garota em um restaurante. E aqui se desenrola um dos diálogos mais bonitos do filme, no meio daquelas avenidas largas de Nova Iorque. Erica abre seu coração, começa a chorar e, minha gente, QUE DIÁLOGO MAIS DIFÍCIL. Porque percebemos que acontece claramente uma confusão. Enquanto Erica expõe todos seus sentimentos, Harry não parece entender bem o que se passa. Na verdade, ele não sente e vê as coisas da mesma forma que ela. A cena termina da pior forma possível, com Erica beijando Harry e dizendo: “Coração partido. Você ainda me considera impenetrável?”. Impossível não lembrar da cena em que Harry diz que Erica usa sua força para se separar dos outros… Pois bem, agora que suas defesas caíram, ela está ali na rua chorando para o homem que ela ama. E aí? Ele não a ama. E isso talvez seja uma das coisas que mais doem no filme, esse grau de realismo. Quantas vezes isso não nos aconteceu? Então vamos lembrar pra sempre desse diálogo:
Harry: Eu nunca menti para você, sempre te contei uma versão da verdade.
Erica: A verdade não tem versões, tá?

Vamos nos sentir injustiçados, nos colocar ao lado de Erica. Acho que qualquer pessoa sentimental irá se identificar com a cena seguinte. Erica volta para a casa e acaba se dando conta que ficou com o óculos de Harry. Ela começa a chorar compulsivamente. E aí, amigos, a voz de Eartha Kitt entra cantando Je cherche un homme enquanto vemos Diane ter ataques histéricos de choro + risada em diversas situações. Acorda chorando. Dorme chorando. Ri e chora ao mesmo tempo. Vai até a praia, lugar onde eles começaram a paquerar, e morre chorando. Um dos acertos desse filme é intercalar cenas extremamente dramáticas com cenas engraçadas, como Diane chorando e rindo ao mesmo tempo. Quem nunca chorou como Diane Keaton não sabe o que sofrer por amor.

A famigerada cena em que Erica chora um dilúvio de lágrimas após terminar com Harry.


O filme pode até parecer exaltação ao sofrimento, visto o tempo que Erica passa sofrendo por Harry. No entanto, como eu disse antes, essa comédia romântica é verossímil. Por isso, em algum momento do filme, Erica acaba superando a dor de seu relacionamento mal sucedido com Harry. E acho que esse é um dos maiores alívios que o filme nos traz, essa certeza de que vai acabar. Por mais que a nossa dor pareça eterna naquele momento em que estamos escutando a música X que nos lembra a pessoa ao lado de uma grande barra de chocolate, ela passa. No fim das contas, o jogo se inverte e Erica acaba se envolvendo com Julien, um médico mais jovem que atendeu Harry no dia do infarto. Como disse, Alguém tem que ceder é sobre as surpresas da vida.

Mas as surpresas ainda não terminaram… pelo contrário… só começaram. O que será que aguarda nossa dramaturga sofredora? Não contarei para vocês para deixá-los curiosos. Só agora me dei conta que estamos na semana do dia dos namorados. Pois bem, esse é um filme maravilhoso para assistir, sozinho ou não. Temos música francesa na trilha sonora, Diane Keaton e Jack Nicholson encarnando o par romântico mais fofo que já vi, atores coadjuvantes que seguram o filme muito bem. E claro um roteiro maravilhoso que coloca a história de amor na realidade. Que não te promete final feliz, e sim um retrato divertido das nossas vidas.

Feliz dia dos namorados!

Publicado por Jessica Bandeira.

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