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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Bola de fogo (1941)


Bola de fogo (Ball of fire) é daqueles filmes em que a gente vive quase uma experiência extracorpórea. Tudo nos tira do chão: as atuações, o roteiro de Billy Wilder e Charles Brackett, a direção, o romance, o lelele de Barbara Stanwyck. Eu desafio você a NÃO gostar desse filme. Mais do que informar as curiosidades do filme e fazer grandes análises, hoje gostaria de contar um pouco do que senti assistindo Missy, Gary Cooper e Dana Andrews nessa comédia de Howard Hawks. Ou sobre como Bola de fogo arrancou meu coração fora.

A screw ball comedy foi um gênero de filme muito popular, que surgiu na época da Grande Depressão. Nos anos 40, ela vivia seu auge. O que você deve saber sobre este gênero: confusão. Essa é a palavra chave. O filme inteiro é (quase) sempre calcado em um mal entendido, no caso de Bola de Fogo temos uma personagem que está fugindo da polícia e se esconde na casa de um estudioso com a desculpa de ser cobaia para suas experiências linguísticas. A screw ball comedy chama a atenção pelo bate-bola-jogo-rápido. Como assim? Os personagens sempre têm uma resposta na ponta da língua, uma respostinha afiada, cheia de ironia. Às vezes é difícil acompanhar e processar o que eles estão dizendo. Quem viu Bola de Fogo há de concordar comigo que, de vez em quando, é difícil entender as ironias de Sugarpuss O’Shea. Alguns outros filmes desse gênero são Levada da Breca, resenhado pela Camila por aqui, Aconteceu naquela noite, As três faces de Eva etc etc etc.

Meu nome é Sugarpuss O'Shea e vim operar milagres na sua vida.
Sugarpuss O’Shea (Barbara Stanwyck) é uma dançarina burlesca, (it’s a passion, an emotion, it’s a fashion, burlesque!) namorada de um gangster chamado Joe Lilac (Dana Andrews). Enquanto isso na sala de justiça, temos o ingênuo professor Potts (Gary Cooper), que junto a outros 8 professores, está elaborando uma enciclopédia. Só que a maldita não fica pronta nunca, e eles correm o risco de perder a verba para elaborá-la. Os caminhos de Potts e Sugarpuss O’Shea se cruzam quando ele, que cuida da parte de língua inglesa da enciclopédia, percebe que não conhece nada do inglês realmente falado. O inglês das ruas, dos motoristas de caminhão, dos vendedores de jornais. Assim, ele parte para um expedição linguística, indo parar na boate onde O’Shea se apresenta. Enquanto a moça canta, Potts começa a anotar todas as coisas que ela diz. Afinal ele está realizando uma coleta de corpus e não tem tempo de prestar atenção na belezura que é Barbara Stanwyck.

ALIÁS, O QUE É ESSA PRIMEIRA APARIÇÃO DE BARBARA STANWYCK? AH, MEU DEUS. Sugarpuss O’Shea sai da coxia e a gente pensa: “Meu Deus, o que está acontecendo?” Drum Boogie, o número musical de O’Shea, nos dá mais ou menos uma ideia do que será o filme nas próximas quase duas horas de duração = um chorume pela beleza de Missy. Acho que nos sentimos exatamente como Potts: acuados. É isso, a gente se sente acuado pela presença poderosa de Barbara Stanwyck na tela. Essa primeira aparição é tão poderosa que esquecemos que Missy está sendo dublada pela cantora Martha Tilton. Ela dança, requebra os quadris, interage com Gene Krupa, um dos grandes bateristas da época. C’mon, Krupa, knock yourself out! – ela diz enquanto entramos no fantástico mundo do jazz dos anos 40. Ah, como eu gostaria de estar lá curtindo esse som…



O primeiro encontro entre O’Shea e Potts é um desastre. Ele não entende nada do que ela diz. Muito popular para alguém tão cult. Ela o acha um tremendo paspalho. A cena nos dá agonia, aliás como em todas as cenas entre Gary Cooper e Missy. Potts propõe a tal da pesquisa linguística à Sugarpuss, ela seria uma ótima cobaia etc etc, mas ela bate a porta na cara dele. Depois, quando a polícia vai procurá-la para testemunhar contra o namorado gansgter, ela tem a maravilhosa ideia de ir se hospedar na casa de  Potts até as coisas se acalmar. E o resto é história.

Como proceder?
Eu já disse que o filme inteiro são as gentes apaixonadas por Sugarpuss/Barbara? Porque assim que ela chega na casa de Potts é o que acontece: os 8 homens que vivem com o professor caem de amores pela moça desbocada. Começa uma sucessão de cenas que fazem os cinéfilos mais escandalosos, como eu, darem berros. Primeiro Sugarpuss O’Shea estica as pernas e tira a meia-calça. Depois fiquei me perguntando como uma cena tão ozada para a época passou pela censura… estariam cegos? Depois ela pede que Potts se aproxime. O homem não sabe o que fazer. Sentada na minha poltrona desconfortável, também não sei como proceder. Depois os outros professores aparecem, quase têm um AVC na sua presença, e decidem que ela deve ficar.


O roteiro de Billy e Charles é uma das coisas que sempre me surpreendem e me fazem pensar na arte de contar histórias. Como ele sabia contá-las bem! Bola de fogo foi baseado em uma história que Wilder escreveu enquanto ainda vivia na Europa. Também há uma inspiração clara no conto de fadas Branca de Neve e os sete anões. Só que no lugar da madrasta a polícia; dos anões oito ingênuos professores. Se você pensar, o plot do filme até que é simples: dançarina fugitiva da polícia se hospeda na casa de um professor. Porém, a maneira como a história é contada a transforma em algo genial. A história é convincente, nos ensina algo sobre a vida. Ball of fire nos ensina que as aparências enganam, Sugarpuss O’Shea é muito mais que a dançarina tola de burlesco que parece. Além disso, também podemos olhar para a personagem de Gary Cooper e constatar nossa falta de habilidade em relação à questões envolvendo flertes.

Ensinando como se faz yum-yum .


Ball of fire foi um dos primeiros filmes em que Barbara Stanwyck apareceu “glamourizada” digamos assim. O outro foi As três faces de Eva do mesmo ano. Glamourizada significa utilizando roupas mais sofisticadas, já que Stany tinha seu próprio glamour desde muito antes. Fora o filme de Howard Hawks que selara uma parceria entre a figurinista Edith Head e Missy, durando 17 filmes. Head desenhou os figurinos de outros clássicos de Barbara, como Pacto de Sangue. Edith conseguia capturar o que havia de melhor na atriz e transformar seu it em peças de roupas. O figurino utilizado na boate, aqueles cortes na saia mostrando as pernas, tudo reluzindo é a cara do glamour.

Barbara Stanwyck recebeu mais uma indicação ao Oscar e provou que podia, sim, fazer comédia. Ginger Rogers e Carole Lombard recusaram o papel de Sugarpuss O’Shea, e Lucille Ball quase ganhou o papel se não fosse Gary Cooper (que já havia trabalhado com Missy em Adorável vagabundo) indicar Barbara Stanwyck.

Eu já disse que Billy Wilder adorava trabalhar com Barbara? Mais um motivo para vocês irem correndo assistir esse clássico da screw ball comedy.

Publicado por Jessica Bandeira.

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