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quinta-feira, 22 de maio de 2014

Fedora (1978)



Uma ode ao cinema clássico e suas divas. Crise de identidade. Crítica ferrenha ao cinema americano dos anos 70. William Holden. Com essa mistura mais atraente que o bolo de chocolate da minha avó, Billy Wilder despediu-se do cinema. Estamos falando de seu último filme, Fedora.

Quando Billy Wilder chutou o pau da barraca no ano de 1951 e denunciou através de seu filme, Crepúsculo dos deuses, toda a trairagem de Hollywood, ninguém fazia ideia de que esse filme se tornaria um tour de force do cinema, um clássico do gênero noir. Mas ao contrário do que aconteceu com muitos diretores, Billy não ficou preso a um único gênero de filme. Dirigiu o Cidadão Kane dos filmes noir, Pacto de sangue. Fez comédias como Quanto mais quente melhor e Se meu apartamento falasse, que entraram para o must see dos cinéfilos de ontem, hoje e sempre. Também tivemos suas parceiras com Marlene Dietrich em Testemunha de acusação e A mundana. Porém, como um filho pródigo sempre volta sua casa, Billy escolheu voltar para aquilo que, na minha opinião, ele sabia fazer melhor: sambar na cara de Hollywood. Fedora é um Crepúsculo dos Deuses reinventado, com um toque de absurdo.

As semelhanças com Crepúsculo dos deuses

Nosso filme começa em media res, com a morte da personagem Fedora, uma atriz da era de ouro de Hollywood. Enquanto seu corpo está sendo velado, a voz de Barry Detweiller (William Wolden) começa a nos dar as primeiras pistas daquela situação. Quem não lembra de Joe Gillis, morto na piscina da casa da estrela do cinema mudo Norma Desmond, nos contando que finalmente ele teria uma piscina? Assim como Crepúsculo, Fedora já nos dá o final, MAS não a causa. De que ela morreu? Por que morreu? Um recurso muito inteligente na minha opinião.

Detweiller e Fedora .
O filme se propõe a contar as duas últimas semanas de Fedora, que vive reclusa na ilha grega de Corfu através da narração de Detweiller, um famoso produtor de filmes. Ele quer que a personagem estrele sua nova produção, Anna Karenina. No entanto, ela vive nessa ilha junto à Condessa Sobryanski (Hildegard Knef) e não recebe visitas. Não quer mais saber de cinema. O próprio personagem Barry ser interpretado por William Holden já é um indício dessa aproximação que Billy realiza com seu filme de 1951. Aqui também temos uma figura interesseira, assim como Joe Gillis o era. É claro que o prestígio os separa: Joe era um pé de chinelo; Barry tem dinheiro. O fato é que Barry começa a rondar a villa onde a atriz vive, desesperado por um contato. Ele acaba conseguindo falar com ela, que lhe diz que não pode sair. Que ninguém a deixa fazer nada.


Norma Desmond em Crepúsculo dos deuses.
Outra semelhança com Crepúsculo diz respeito à personagem principal. Fedora não é só Norma Desmond; poderia ser Marlene Dietrich, Joan Crawford, Greta Garbo... Fedora representa todo esse glamour que já tinha virado piada em 1978, ano em que Wilder lançou seu último filme. Para mim, o diretor realiza uma homenagem a essas atrizes, tanto as que trabalharam com ele como as que não trabalharam, lhes dá um pouco de dignidade. Dignidade essa que, em sua visão, foi retirada com a evolução do cinema. Falaremos sobre isso mais para frente. Há uma frase que nos marca bastante e ela acontece em um diálogo entre o médico de Fedora, Fernando (José Ferrer) e Dutch – apelido de Barry. Nele, Fernando diz que não sobraram estrelas, que elas estão mortas. O primeiro diálogo entre Norma (Gloria Swanson) e Joe em Crepúsculo dos deuses também tem esse tom pessimista. Eles estão mortos, acabados! Já se foi a época em que os olhos do mundo inteiro estavam voltados para eles, diz Desmond destilando rancor em relação ao cinema falado e a destruição de todo um modo de se ver e fazer cinema. Novamente o cinema era “destruído”, dessa vez com os filmes sem pé nem cabeça dos anos 60 e 70, que tocavam o terror na Hollywood dos grandes magnatas conservadores. 


Billy Wilder: especialista em sambar na cara de Hollywood

Em Crepúsculo dos deuses, o mundo glamoroso de Hollywood cai por terra diante de nossos olhos. Na verdade, esse lugar não passava de um jogo de interesses, onde atrizes que não serviam mais eram jogadas fora (vide Norma Desmond), descartadas como lixo. Além disso, também se discute a questão do cinema mudo X cinema falado. Norma representa o velho, aquilo que já passou, um cinema artificial, que ninguém se lembra mais. Aí eles abriram a boca e nunca mais pararam de falar! – ela diz. A praga era o cinema falado e a forma como Hollywood tratava suas estrelas. Sunset Boulevard foi mal recebido na época, talvez fosse um filme pessimista demais para uma Hollywood que acabava de sair da guerra e que queria alegria. Pessimista ou não, era o que acontecia.

Já em Fedora, a dinâmica é um pouco diferente, mas a crítica continua ali, latente. O que é criticado é essa segunda onda de mudanças do cinema, que precedeu a da era falada. Os anos 60 vieram e o que rolou foi basicamente um joga fora no lixo em relação ao cinema. Os novos diretores queriam negar todo o “passado” cinematográfico, pois o consideravam artificial. Nada dessas mulheres com cinco litros de massa corrida na cara. Nós queremos as mulheres comuns. Queremos retratar a vida como ela é, então adeus às filmagens em estúdio. É bastante contraditório, pois foram esses caras que salvaram Hollywood da crise. Os grandões dos estúdios tiveram que dançar conforme a música psicodélica da época.

As coisas são diferentes. Quem comanda o negócio são os jovens barbudos com uma câmera na mão. 

Nessa fala de Barry temos a consolidação dessa crítica que Billy faz ao novo cinema. Não havia mais espaço para as Fedoras. Ou elas se adaptavam, como Bette Davis e Joan Crawford que se tornaram musas dos filmes de horror dos anos 60 ou caíam no ostracismo. A televisão também era uma alternativa. Também existe uma crítica indireta ao fato de que os estúdios não estavam mais por trás de suas estrelas. Quer dizer, elas não tinham mais proteção, se acontecesse algum tipo de escândalo (Lana Turner era rainha em ter a carreira salva dos escândalos pelos estúdios da MGM), não tinham garantias financeiras. Agora era cada um por si e Deus contra todos. 


Forjando uma estrela


Nós sabemos desde o começo que o destino da personagem principal é a morte. O problema é que não contávamos com o fato de que ela morre aos 51 minutos de filme, muito antes de ele terminar. O espectador se pergunta: tá, e agora? É só isso que aconteceu a ela? Não, não é. O que na verdade é O acontecimento é que a moça no caixão não é a verdadeira Fedora. Juro que dei um grito quando isso foi revelado. Essa é a grande virada do filme e que nos insere na segunda e última parte do filme.

Fedora, como toda estrela, percebeu que estava ficando velha e não gostou nada disso. Começou a lutar contra o tempo, submetendo-se a diversos procedimentos estéticos. Quem lembra de Gloria Swanson suando e sofrendo para ficar bonita para estrelar o filme de DeMille em Crepúsculo dos deuses? Só que em um desses procedimentos algo deu errado. Seu médico injetou uma substância que causou uma reação na pele da atriz, deixando-a queimada e com paralisia nas pernas. Foi o fim. A atriz havia arruinado seu instrumento de trabalho, e agora não restava nada a não ser isolar-se do mundo para ninguém saber. Assim, ela vai para a ilha de Corfu. Sua filha com o Conde Sobryanski, que teve uma mãe ausente devido ao seu status de estrela, acaba indo viver com a mãe na ilha. Um dia, uma ligação muda a vida delas. É Academia anunciando que resolveu dar um prêmio pela obra de Fedora. Há um tom de crítica nessa parte também, basta lembrar como milhares de estrelas foram injustiçadas e não tiveram seu trabalho reconhecido. Esse prêmio da Academia representa uma compensação do tipo: Nunca demos o Oscar para você, contente-se com um prêmio pela obra.

Desmond suando a camisa para se preparar para o filme de DeMille.


Ela não pode aceitar o prêmio do jeito que está. E aí vem a ideia: caracterizar sua filha como Fedora e fazê-la receber o prêmio como se fosse a própria mãe. Isso só é possível por causa da semelhança assustadora entre mãe e filha. Dessa forma, é Antonia (Marthe Keller) que recebe o prêmio das mãos de Henry Fonda, o presidente da Academia. Mas as coisas não param por aí e Antonia acaba assumindo a identidade da mãe.
A falsa Fedora recebendo o prêmio das mãos de Henry Fonda.


Esse roubo de identidade causa sérios danos a vida de Antonia, que em um primeiro momento sente-se orgulhosa em estar desempenhando aquele papel. No entanto, logo que se apaixona por Michael York – interpretando a si mesmo no filme –, ela percebe que não pode revelar quem é. Tudo para manter o papel. Ela começa a ficar perturbada e em uma das cenas mais tocantes do filme, Antonia está escrevendo seu nome repetidas vezes no vidro embaçado da janela. Isso me lembrou bastante A pele que habito, um dos últimos filmes de Almodóvar, onde a personagem também tem sua identidade roubada e escreve nas paredes para não ficar louca.

Ao sugerir que a verdadeira Fedora, que se passava pela Condessa Sobryanski, revelasse a verdade ao mundo, Dutch recebe a seguinte resposta: a lenda deve continuar. O próprio enterro da falsa Fedora é um espetáculo, realizado com a maior mácula para manter a imagem de estrela. Era isso que importava na Hollywood dos anos de ouro: manter a imagem. Não é à toa que escândalos eram abafados e nem que o estúdio também era responsável por criar essas imagens. Marilyn Monroe, por exemplo, jamais conseguiu livrar-se do estereótipo de “loira burra e sensual”. Joan Crawford prezava por sua imagem diante do público. Depois de sua morte, sua filha Christina tentou destruí-la com o livro Mamãezinha Querida, mas o feitiço virou contra o feiticeiro e a lenda ao redor de Crawford aumentou.

Eu dei a chance de ela ser Fedora e ela não soube aproveitá-la, diz a verdadeira atriz. 


É dessa forma linda e crítica que Billy Wilder encerra sua carreira no cinema. Quando o filme termina, você fica com a sensação de que sentiu algo muito forte e não consegue explicar o quê. Acho que esse é o efeito Billy Wilder em nós.

Publicado por Jessica Bandeira

Um comentário:

  1. É, envelhecer, sobretudo em Hollywood, não é para os fracos, já dizia Tia Bette. Outras que sofreram com isso, e consequentemente foram para o limbo: Ava, Lana e Rita Hayworth. A Bette, a Joan e a Kate Hepburn tiveram sorte em comparação. Sorte não. Talento e malemolência, haha. Outra coisa: sorte nossa que o Billy Wilder amava o Bill Holden. Os dois juntos eram que nem queijo e goiabada. Um outro que amo dos dois é Inferno nº 17, é ótimo, e o Holden ganhou o Oscar por ele.

    E por fim, eu amo essa versatilidade do Billy e essa capacidade de sambar na cara de Hollywood. O homem manjava muito desses cambalachos. Um filme dele dos anos 70 que gostei muito foi "A vida íntima de Sherlock Holmes", que inspirou o seriado que passa atualmente na BBC (de dois em dois anos, tem três episódios, rs), "Sherlock".

    Parabéns pelo post, Jessie :) amei!

    (Camila)

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