Edith Windsor e Thea Spyer me escolheram. Agora tenho certeza disso. Conheci essas simpáticas moças da foto acima quando estava olhando algumas fotos históricas de mulheres lésbicas. Elas eram as últimas e a foto delas me chamou muito a atenção: estavam muito perto, prestes a se beijarem. Aquela foto refletia tanto amor que imediatamente coloquei de fundo da minha área de trabalho. Sem ao menos conhecê-las. Eu ficava olhando para essa foto fascinada. Queria decifrar os traços de cada uma delas, o que estavam pensando quando aquela foto foi tirada? O que aquele momento realmente capturou?
Minha alma de tradutora, incansável nas pesquisas, levou-me a pesquisar mais sobre essas duas mulheres maravilhosas. Edie e Thea foram uma inspiração para a comunidade LGBT, um exemplo de resistência. E não é a toa que existe um documentário sobre as duas, Edie & Thea: um longo compromisso.
Aí começou a via crucis que passo toda vez que fico obcecada para encontrar algum filme ou documentário:
1) Quase contamina o computador com um Cavalo de Troia;
2) Desiste por algumas semanas;
3) Olha todos os vídeos no Youtube, fica mais obcecada ainda e decide que vai achar. É agora ou nunca!
4) Acha o arquivo e deixa o computador ligado por dias esperando ansiosamente o download terminar;
E vou dizer: valeu cada minuto essa espera. As palavras “resistência” e “amor” vão adquirir outro significado quando você assistir a esse documentário. E se você não chorar, ou pelo menos derramar uma lágrima que seja, não sei mais o que pode lhe tocar.
O documentário começa com nosso simpático casal olhando fotos antigas projetadas na parede. São inúmeras fotos e a primeira coisa que notei foram que todas elas refletem aquilo que vi na foto que abre este post: um sentimento poderoso. Um sentimento que nos contagia, que faz um sorriso se abrir no seu rosto. Aquelas fotos falam. Você quer conhecer essas mulheres só ao olhá-las comentando suas próprias fotos tantos anos depois.
É interessante que, durante os dois minutos em que elas olham as fotos, você não as vê; só escuta as vozes e os comentários. Isso cria uma curiosidade: como elas estão hoje? Ouvimos Thea dizer: “eu gosto muito dessa garota [Edie]”. De repente, o documentário vai para os créditos e na cena seguinte temos as duas sentadas. Uau. Já comecei a me emocionar, uma prévia do que aconteceria lá pela metade: choraria longos minutos. Não importam as rugas, os cabelos brancos, o mesmo sentimento das fotos de 40 anos está estampado no rosto delas. E isso é chocante em uma época em que falamos tanto sobre a volatilidade do amor, do carinho e do afeto.
Edie e Thea conheceram-se por volta de 1962. Na época, Edie estava separada de seu único marido e pediu que uma das amigas a levasse a um restaurante frequentado por lésbicas. Ela não aguentava mais ser solteira. Foi lá que conheceu Thea. Elas dançaram a noite inteira. Dançaram tanto que Edie ficou com um buraco na meia! Nas palavras de Thea: “nossos corpos se encaixaram bem”. Porém demorou dois anos para que elas realmente ficassem juntas. Tiveram de dançar para caramba até que isso acontecesse!
A dança atravessa o documentário e não é um fruto do acaso. Como dissemos no parágrafo anterior, elas se conheceram dançando. Mas mais do que isso, a dança continua presente no cotidiano do casal como uma forma de resistência. Como assim? Thea foi diagnosticada com uma doença terminal que a paralisou quase que completamente. No entanto, nem assim as duas pararam de dançar. Há uma cena particularmente tocante (segura que lá vem o chorume) em que elas estão dançando Love is in the air. Edie senta-se na cadeira de rodas, no colo de Thea, e elas ficam alguns minutos curtindo aquele momento. Às vezes acho que o cinema e a televisão estão cheios de histórias sobre amores despedaçados, que não deram certo. Ninguém celebra os relacionamentos que dão certo, será que é por que eles são raros? Não sei, o que sei é que esse documentário celebra o amor. O amor em sua plenitude, sabe? Amar quem você quiser, independentemente do que a sociedade nos impõe.
Edie & Thea: um longo compromisso é um registro do que era ser lésbica nos anos 60. Aquele eterno esconder, às vezes vivendo uma vida dupla. Há quem aguente e quem não aguente. Thea e Edie viveram juntas durante tanto tempo e nunca puderam usar uma aliança de compromisso. No fim das contas, Thea deu a Edie uma espécie de broche de diamantes, um símbolo do compromisso delas. Dá para ter uma ideia do que é isso? Você não poder usar uma aliança de compromisso? Edie trabalhava para a IBM, empresa de computadores (Girl Power!), e tinha de esconder dos colegas sua relação com Thea. Uma vez ouvi uma das minhas atrizes favoritas, Catherine Deneuve, dizer que não entendia porquê queriam aprovar o casamento igualitário, já que as pessoas mais se divorciavam do que casavam. Oh, Deneuve, por quê? A questão não é casar ou divorciar; e sim ter o mesmo direito dos casais heterossexuais. Talvez você não entenda o que não ter o direito de poder, por exemplo, herdar os bens do companheirx quando este vem a falecer. Aliás, foi o que aconteceu com Edie. É disso que estamos falando: direitos iguais. A comunidade LGBT quer poder ter a proteção da lei, assim como os casais heterossexuais. Quer poder se casar na igreja, se assim desejar. Quer poder. Coisas tão simples que lhes foram negadas só porque amam alguém do mesmo sexo.
E aí que esse documentário acerta em cheio. Lá pelas tantas, descobrimos que Edie e Thea vão se casar. Sim! Thea só tinha mais um ano de vida e ela refez o pedido de casamento. É claro que Edie disse sim. Elas viajam até o Canadá, onde o casamento é legalizado, para realizarem esse sonho de 42 anos. É interessante porque lá eles aboliram as palavras “marido” e “esposa”. Existe apenas a palavra “cônjuge”, o que é interessante pois não tem gênero. A cena do casamento é de se lavar chorando. Você pensa em tudo que essas mulheres passaram só pelo fato de serem lésbicas, dos direitos que lhes foram negados, e que elas finalmente puderam se casar. É revigorante e dá um gás para que se continue lutando pelos direitos dessas minorias.
O que o documentário não nos conta é o que Edie enfrentou depois da morte de Thea: uma batalha contra os EUA. Na época, o DOMA, uma lei que defendia o casamento heterossexual, estava a todo vapor. Ou seja: casamento entre pessoas do mesmo sexo não ecziste! Quando Thea morreu, Edie teve de batalhar contra o governo americano que não queria lhe dar direito ao espólio de sua cônjuge. O DOMA é um retrocesso sem igual na história dos EUA. Graças à Deusa, em 2008, essa porcaria lei foi considerada inconstitucional e Edie teve direito aos bens de Thea. Hoje a lei garante que casais que se uniram em estados que permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo tenham reconhecimento e benefícios em nível federal. É por isso que Edie é considerada um ícone da comunidade LGBT, ela lutou contra o DOMA. E venceu. Ainda há muito caminho a percorrer, mas esse documentário já é um pedacinho das mudanças que vem acontecendo. Que possamos amar seja quem for!
Edie & Thea, vocês são um exemplo para mim e eu amo vocês.
Chupa, conservadores!!! |
Publicado por Jessica Bandeira (que está desmaiada de novo com a beleza desse documentário).
Que linda história de amor, coragem e luta! Não devemos parar de lutar!
ResponderExcluirBoa noite, vc conseguiu baixa o vídeo por onde? Há anos que tento e não encontro
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