Durante toda
minha vida, uma imagem sempre me acompanhou: a de uma mulher sendo atirada do
pé de uma escada, caindo e quebrando o pescoço. Eu tentava lembrar de que filme
era e nunca conseguia. Até o dia em que, não sei como, descobri que a mulher
caindo era Meryl Streep e que esse era o ponto de virada de A morte lhe cai bem. Esse filme, acho
eu, é um clássico da minha geração. É muito difícil encontrar alguém que não
lembre pelo menos dessa cena da escada. No entanto, às vezes parece que A morte lhe cai é só um filme de
comédia. Só que não. Depois de olhar 500 vezes (falando sério, acho que já
assisti mais de 20 vezes esse filme, se contarmos que durante uma época eu o
assistia todas as noites antes de dormir), você começa a perceber o quão
refinado ele é em termos de conteúdo.
A morte lhe cai bem (Death becomes her) conta a história da
atriz, Madeline Ashton (Meryl Streep), uma mulher que se importa muito com sua
aparência. Logo no começo do filme, o diretor nos saboreia com uma grande
ironia. A peça que Madeline está estrelando chama-se Doce pássaro da juventude de Tennessee Williams. Há uma adaptação
maravilhosa desse filme, inclusive, com Paul Newman. A ironia não está apenas
no título, mas no fato de que essa peça conta a história de uma atriz decadente
em busca de uma juventude há muito tempo perdida. Aliás, o começo de A morte já é um deleite por si só: Meryl
Streep cantando. Aí a gente se pergunta o que essa mulher NÃO faz, não é mesmo?
Mas voltando ao filme, Madeline está no último ato da peça cantando Me, uma música pra lá de egocêntrica
como o próprio título atesta. Na plateia estão Ernest (Bruce Willis) e Helen
Sharp (Goldie Hawn). Ela é uma antiga amiga de Madeline, que levou o noivo à
peça para ver se ele passava pelo teste “Madeline Ashton”, ou seja, se ele
resistia a ela. E a resposta é nããão (Mara Maravilha feelings), não, ele não
resiste a ela. Ernest, um grande cirurgião plástico, larga Helen para se casar
com Mad. Helen fica desolada e jura vingança. Passam-se sete anos e a tela é
invadida por um traseiro gigante. Mal podemos acreditar, trata-se de Helen, que
virou uma tia dos gatos e que gosta de assistir os filmes trashs da rival para deleitar-se com a cena em que ela é morta. Ela
vive no meio da sujeira até o dia em que os policiais invadem seu apartamento e
a despejam. Mais sete anos se passam.
Esses mais sete
anos não foram muito gentis com Madeline, que agora está “velha” e decadente,
exatamente como a personagem da peça de Williams. “Sua agente me disse que você
não perde nem um chá de bonecas”. É, não está fácil para ela. Ela dorme com
bandanas na cabeça, luvas nas mãos, algo que lembra bastante Joan Crawford e
seus lendários cuidados de beleza. Mad está tão desesperada que pede para sua
empregada lhe dizer todos os dias como ela parece cada vez mais jovem. Em uma
manhã, uma carta chega a sua residência. Helen Sharp convidando para o
lançamento de seu livro, Eternamente jovem. “E eternamente gorda, haha!” –
gargalha Madeline. Para fazer inveja à amiga de infância, Madeline marca um dia
de princesa em uma clínica chiquerríma. É neste momento que ela descobre que
sua velhice é irreversível. A funcionária da clínica não quer fazer um
determinado processo, pois “é muito traumático para o corpo e você fez há três
meses!”. Quando ela sugere maquiá-la, Madeline se enfurece e um homem
misterioso aparece na sala, saído não sabemos de onde. Ele lhe dá o cartão de
Lisle von Rhoman (Isabella Rosselini), alguém que pode resolver seu
“probleminha” com a juventude. No tal lançamento, ela se dá conta de que a
amiga está linda e magra e fica sem saber o que fazer. É quase uma vingança
para Helen ver que Mad está completamente infeliz e ainda seduzir o ex noivo,
que parece não resistir a essa nova mulher.
Humilhada pelo
amante mais jovem e pelo marido bêbado, que agora embeleza cadáveres para
enterros, Madeline resolve procurar a ajuda de Lisle. Afinal, ela não se
conforma com a beleza de Helen e com o fato de sua juventude estar escorrendo
entre seus dedos. Na casa de Lise, Madeline toma uma poção que a deixa mais
jovem. E imortal. “Cuide-se bem. Você e seu corpo ficarão muito tempo juntos” –
diz Lise lhe dando uma espécie de broche, um símbolo daqueles que tomaram a
poção. Mad volta para casa sentindo-se a última bolachinha do pacote e
confronta-se com Ernest. E que cena MAIS engraçada! Madeline começa a fazer
caretas e chamá-lo de “flaaaaaaaaaaaaacid”, bêbado e tudo mais. “Até um dos
seus cadáveres daria mais conta do recado, eu preciso de um HOMEM e você não é
um!” Ernest perde a cabeça e a empurra escada abaixo. Mad quebra o pescoço e
morre. Mas pera... ela não pode morrer. Ele sai correndo para ligar para Helen,
que fica boladíssima, afinal “que parte do plano você não entendeu?” (eles
planejavam matar Madeline juntos). Ao ver Mad viva, Ernest quase tem um ataque
do coração.
No meio de toda
essa confusão, Madeline descobre que Helen também tomou a poção. As duas estão
imortais; uma com o pescoço quebrado e com a cabeça virada para suas cotas; a
outra tem um buraco no estômago devido a um tiro de bazuca dado por Madeline.
Hiper-refinado de humor negro, A morte
lhe cai bem critica o mundo de aparências em que vivemos. Mad e Helen são
os símbolos máximos dessa busca incessante pelo corpo perfeito e pela
juventude. Além disso, outro aspecto que me chama a atenção é a competitividade
entre elas. O filme parece mostrar exatamente aquilo que tentamos desconstruir
hoje em dia, ou seja, que uma mulher enxerga a outra como sua rival, como
alguém que pode roubar o que é dela. Aquelas frases prontas como “você não pode
confiar em mulher” e “mulheres são invejosas” estão colocadas no filme na forma
dessa competitividade entre elas. Mad e Helen competiram pelos mesmos homens,
mas no fim das contas descobrem que a amizade entre elas é muito mais forte do
que a inveja.
[Enruga, enruga estrelinha. Espero que não nunca notem essas cicatrizes.]
Madeline é o
símbolo máximo de futilidade. Talvez ela seja um espelho da nossa sociedade,
refletindo o quanto somos bombardeados todo dia, toda hora por alguém que
insiste em nos dizer que estamos fora do padrão. Ou velhos demais. Essa parece
uma batalha sem fim e é essa a impressão que temos com Mad. Ela não poupa
sacrifícios para estar bonita, mas nunca é suficiente, pois alguém sempre vai
dizer que ela poderia estar mais jovem. Quem sabe um jornal sensacionalista irá
publicar fotos suas de biquíni e praticar um body shaming, como acontece hoje em dia. Creio que Mad ser atriz
não é por acaso, uma vez que essa paranoia pela aparência perfeita nos é
bastante visível neste meio. Mas acho que há elementos em Mad claramente
identicáveis com qualquer mulher. Os problemas com a aparência, a
insegurança... todas já sofremos alguma vez com isso. É uma pena que ela não
consiga se libertar disso. Já Helen é o oposto disso no começo do filme, mas
também termina por ser engolida por esse mundo de aparências. Ela, para mim,
simboliza todxs que acabaram sucumbidos a esse monte de lixo que querem nos
enfiar goela abaixo. Você está acima do peso. Você não se cuida, não vai
arranjar ninguém assim! Gente, chega!
E claro que não
poderíamos deixar de comentar sobre os atores desse filme. Bruce Wills, sempre
tão sério, surpreende com seu tino para a comédia. Ele está realmente
convincente no papel de Ernest, conseguimos enxergar a fragilidade e a
facilidade com que esse personagem é manipulado pelas duas mulheres. Goldie
Hawn é apenas uma atriz sensacional, infelizmente não tão valorizada como
merecia. Ela consegue transitar muito bem entre a ingênua e entre a manipuladora
Helen com pitadas de loucuras, é claro. E o que dizer de Meryl Streep? Em 1991,
essa mulher já provava que é melhor ainda intepretando vilãs. Inclusive, o
filme She-devil, um trash da década
de 80, é outro filme que recomendo fortemente aos que gostam de Meryl vilã. Ela
canta, ela dança... ela desfila, é top, capa de revista... That’s Meryl Streep. Falando sério, ela torna Mad Ashton ainda mais
caricata seja fazendo carões de drama ou gritando ao pé da escada
“flaaaaaacid”.
A morte lhe cai bem merece
ser visto porque além de um ótimo roteiro, conta com atores ainda melhores e é
muito bem executado. Desde as piadas com Greta Garbo (I want to be alone!) até a participação da bela Isabella Rossellini
- como pode ser TÃO parecida com Ingrid Bergman, minha gente? - , o filme nos
diverte, mas sem cair no vazio. Mesmo sendo feito há 21 anos, ele nunca fica
velho. Isso porque os anos podem ter se passado, mas a sociedade não mudou.
Publicado por:
Jessica Bandeira.
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