Se você adora a canção The lady is tramp, consagrada na voz de Frank Sinatra, provavelmente deve conhecer Walter Winchell de ouvido. I follow Winchell and read every line diz a letra. Pois esta pessoa foi uma das maiores colunistas de fofoca norte-americanas, dando espaço para que as Hedda Hoppers e Louella Parsons aparecessem depois. A fama é tão grande que ele foi inspiração para um conto e um filme!
No aniversário de Walter Winchell, estaremos servindo A embriaguez do sucesso, um filme noir com um dialogo ácido e rápido, paisagens de tirar o fôlego e que fala sobre daquilo que corrompe o homem desde que o mundo é mundo: o sucesso.
A embriaguez do sucesso é um filme barulhento. Ambientado em Nova York, você tem o jazz tocando o tempo inteiro nos seus ouvidos enquanto as luzes de neon dos letreiros quase cegam no p&b. Não é por acaso. Como todo bom filme noir que se preze, este clássico do gênero começa com a cidade barulhenta, os carros, os letreiros, os anúncios. O consumo. É como se a própria cidade fosse um personagem no filme, sabe? Não são imagens aleatórias da cidade, tudo aquilo vai culminando ao ponto onde o filme realmente começa e os créditos de abertura terminam: uma pilha de jornais é largada no chão.
Ah, os jornais e suas colunas de fofoca. Lembro da época em que eu corria para comprar a revista Tititi na banca de jornal, ávida pelas últimas notícias da novela. Talvez hoje seja difícil mensurar o alcance dessas colunas de fofocas nos anos 50. O fato é que elas começavam, destruíam carreiras e todos queriam seus minutinhos de fama nas linhas de Hedda Hopper ou Louella Parsons. Em Embriaguez do sucesso todos querem seus minutos de fama na coluna do temido J.J Hunsecker (Burt Lancaster), um cara que pode destruir sua carreira em alguns telefonemas. No meio dessa dança de egos muito louca, temos o assessor Sidney Falco (Tony Curtis), que deseja o sucesso mais do que tudo. Para consegui-lo ele entra na caçada pessoal de Hunsecker contra Steve (Martin Milner), o namorado de sua irmã, Susie (Susan Harrison). Se J.J quer o romance entre os dois acabado, Sidney está disposto a sujar as mãos pelo tão sonhado momento de fama.
Meça suas palavras, Hunsecker! |
O filme questiona até onde estamos dispostos a ir por um objetivo. E, olha, sem querer dar spoiler mas Sidney vai chegar ao the edge of the glory pé do abismo entre a honestidade e a sujeira. Ele se deixa ser pisado por J.J, aliás há uma cena muito tensa em um restaurante onde podemos ver a vulnerabilidade de Falco que praticamente se deixa humilhar em frente a um senador norte-americano que jantava com Hunsecker. Os dois têm dialogos rápidos e é incrível ver Tony Curtis reduzido ao pó pelo personagem de Burt Lancaster. Isso porque Curtis é sempre uma figura muito forte, fisicamente e de personalidade também. No entanto, a força morre ao lado de J.J Hunsecker e essa foi a chance que Tony aproveitou para mandar um beijinho no ombro pros inimigxs, mostrando que poderia atuar em papéis mais dramáticos. Além disso, A embriaguez do sucesso é uma aula do que acontecia nos bastidores da fama. O assessor de imprensa soltava uma notinha sobre seu artista, o colunista escrevia e BAM! E essas notinhas serviam para levantar o moral do artista ou simplesmente uma vingancinha pessoal para prejudicar sua carreira.
A inspiração de A embriaguez do sucesso
O filme foi inspirado no conto Tell me about tomorrow!, escrito por Ernest Lehman e publicado na revista Cosmopolitan. Foi baseado na experiência do autor quando este trabalhou com Irving Hoffman, um assessor de imprensa e colunista do The Hollywood Reporter. Depois do lançamento do conto, Irving não falou com Lehman durante um ano e meio. E quem dera que tivesse sido só isso. Hoffman não se contentou e detonou Lehman em sua coluna, questionando seu talento como escritor. Só que ninguém contava que o feitiço viraria contra o feiticeiro porque a Paramount, algum tempo depois, chamou Ernest e ele realizou roteiros memoráveis por lá, entre eles o de Intriga Internacional! O seu recalque bate no talento de Ernest e volta, meu amor!
Como falamos no começo desse post, o conto também é inspirado na figura de Walter Winchell. Ele começou escrevendo sobre sua trupe nos anos 20 e depois foi contratado pelo jornal New York Daily Mirror. Inclusive é o mesmo jornal para o qual o personagem de Lancaster escreve no filme. As coincidências não param por aí. Assim como Winchell, Hunsecker tem o próprio programa de rádio. Winchell se meteu com gangsters, era amiguinho de J. Edgar Hoover. Deu pra sentir o cheiro da sujeira daí? Pois é, pois é *com voz de Chiquinha do Chaves*.
Quem é Sônia Abrão na fila do pão perto de Winchell? |
Curiosidades sobre os bastidores
- Tony Curtis teve de batalhar muito com seu estúdio, a Universal, para conseguir o papel de Sidney Falco. Eles acreditavam que poderia arruinar a carreira dele;
- Orson Welles fora escalado para o papel de J.J Hunsecker, mas Alexander Mackendrick, o diretor, queria Hume Cronyn que se parecia fisicamente com Winchell;
- A United Artists queria Burt Lancaster no papel de Hunsecker para repetir a dobradinha bem sucedida com Curtis em Trapézio;
- O filme foi financiado pela companhia independente de Burt, a Hecht-Hill-Lancaster;
- O diretor sugeriu que Burt usasse seus próprios óculos e a equipe morria de medo dele. Segundo James Naremore no livro Sweet smell of success, Mackendrick passava vaselina nas lentes dos óculos de Burt para dar o efeito embaçado e nunca fazer o personagem olhar diretamente para as pessoas;
E claro que, como todos os filmes atrevidos dessa época, flopou. A embriaguez do sucesso foi um fracasso de público e as pessoas saíram dos cinemas decepcionadas. Queriam Curtis nos papéis que estavam acostumadas a ver. Foi necessário que alguns anos se passassem para que o filme tivesse o valor merecido. Hoje é considerado um dos 100 filmes a serem vistos pela AFI, American Film Institute .
Publicado por Jessica Bandeira.
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