Uma vez alguém disse em um filme do qual não
lembro o nome: “ah, mas ninguém mais quer ver essas comédias Doris Day-Rock
Hudson”. De fato, o tipo de filme que esses dois fizeram tornou-se um pouco
ridículo a medida que os anos 60 iam chegando e a revolução sexual ia tomando
forma. A inocente Doris já não representava mais a americana com a qual as
mulheres se identificavam. Mas isso não desmerece os filmes da dupla, pelo
contrário, eles são o retrato da época em que foram feitos. Talvez por isso me
fascinem tanto. E revoltem também. É preciso ter paciência com esses filmes e,
apesar dos absurdos, valorizar as coisas boas que eles tinham. Espera, esse
post está completamente do avesso. Do
começo então.
Confidências à
meia-noite (Pillow Talk) é o primeiro filme dupla
Rock-Doris, lançado em 1959. O sucesso de bilheteria foi estrondoso, mas tão
estrondoso, que os produtores decidiram fazer dois outros filmes com os atores
mais tarde: Não me mandem flores e Lover come back. Os três filmes seguem
plots parecidos, ou seja, a mocinha é enganada pelo galã, que ao longo da trama
se apaixona por ela de verdade. Pillow
talk é uma exceção à regra, pois além desse amor inesperado que surge, ele
retrata a “mulher independente” do final dos anos 50.
A escolha de Doris Day para o papel da
“independente” Jo não é mero fruto do acaso. Na época, ela era uma atriz muito
requisitada, além de uma respeitada e talentosa cantora. Queridinha da Warner
durante alguns anos, ela era vista pelos americanos como um modelo feminino a
ser seguido. Todas as americanas decentes deveriam ser como ela.
Portanto, escolhê-la para representar Jo não é um acaso, afinal, que figura
feminina melhor que Doris para passar a mensagem que Pillow Talk carrega? A escolha de Rock Hudson também não é fruto do
acaso. O ator era A representação de masculinidade em Hollywood. Além de muito
bonito, admitemos. O galã que engana a mocinha tem de ser bonito para nos
convencer, fazer com que tenhamos empatia e pensemos que “ah, mas é o Rock
Hudson, gente, até eu me deixaria enganar”. Para mim é o mesmo processo pelo
qual o personagem de Larry Hagman, da série Dallas,
passou. O homem era um demônio, machista, trapaceiro, mas todos achavam lindo,
afinal, quem resiste aos belos olhos azuis de Larry? Eu não resisto, confesso.
A trama do filme gira em torno de Jo (Doris
Day), uma decoradora moderna do final da década de 50. A moça mora sozinha,
paga as próprias contas e tem uma empregada metida, interpretada pela
maravilhosa Thelma Ritter. No entanto, tem de dividir a linha de telefone com
Brad (Rock Hudson), um escritor de músicas que está mais interessado em cantar
a mesma música, apenas mudando o nome da interlocutora, para seus affairs do que em trabalhar. Jo tenta
trabalhar, mas sempre é impedida pelo vizinho, já que não larga o telefone.
Cansada da situação, ela vai até a companhia telefônica tentar conseguir uma
linha só para ela. O funcionário manda uma pessoa para verificar se o que Jo diz é
verdade. Mas vejam bem: é o Rock Hudson. Ele é o galã. É claro que quando ele
abre a porta para a funcionária, ele consegue levá-la na lábia e Jo passa como
maluca e enchedora do saco alheio. Certo dia, Jo reclama para sua empregada de
Brad. E aí começa a pegadinha de se tratar de “uma comédia moderna”. A empregada responde que
Jo está reclamando assim porque está solteira. Ela fica se importando com a
vida alheia porque não tem alguém que esquente seus pés. A pobre Jo, além de
julgada pela empregada, também tem que aguentar Jonathan Forbes (Tony Randall, que
participou de todos os filmes da dupla Rock-Doris aliás), um amigo que não se
cansa de dizer que quer casar com ela, que está apaixonado. Mesmo que a personagem o
coloque na friendzone, Forbes
continua insistindo. Para tentar convencê-la de suas intenções , ele a presenteia com um carro. Gente,
ele quer comprá-la dando um carro de presente! É claro que Jo não aceita, acha
absurdo e fala mal do amigo. Será que eles não podem ser só amigos? Acho que é pedir demais.
Antes da entrada real de Hudson na trama, o
filme tenta o tempo inteiro passar a mensagem de que Jo tem toda aquela “independência”
feminina, mas que, apesar disso, é uma perdedora. A situação fica mais absurda
ainda quando, depois de uma festa, o filho da anfitriã – uma cliente de Jo – a leva
em casa e tenta agarrá-la dentro do carro. Ela está tão ferrada no quesito
amoroso que não é respeitada nem pelo garoto de 18 anos. E aí que Hudson, o
salvador, entra de fato na trama. O garoto de 18 anos pede para tomar um último
drink com Jo antes de levá-la para casa. Eles param em um lugar, sentam numa
mesa e a personagem está rezando para tudo acabar logo. Brad está na mesa de trás, ouve os dois
conversando e reconhece a voz da vizinha chata. Quando ela se levanta, ele fica
fascinado. Meu Deus, ela é maravilhosa. Ela é loura, linda etc . No entanto,
Brad lembra que ele é o vizinho chato e que ela, ao saber disso,
dispensar-lo-ia na hora. Ele decide, então, enganá-la se passando por um
caipira humilde vindo do Texas.
O caipira do Texas é o oposto de Brad: um homem
de valores que não engana as mulheres. Esse homem rude irá salvá-la de sua
solteirice, de suas reclamações. No meio da trama, Brad começa a se apaixonar de
verdade pela sua vítima. Ele vai se tornando aos poucos o homem que Jo sempre
sonhou. Ao descobrir a verdade, acontece aquela discussão gigantesca, há um
momento de separação, mas os personagens casam-se no final. A mensagem está
escancarada aqui: não adianta ser independente, pois você sentirá falta de um
cobertor de orelha pro frio. A mulher independente de Confidências à meia-noite é só uma fachada para que a trama do
filme nos mostre que, apesar de morar sozinha e pagar as próprias contas, Jo é
infeliz no amor e que um homem e o casamento podem preencher esse vazio. É
engraçado como a abertura do filme já dá essa tônica da “independente, MAS
solitária”. Ela é cantada por Doris Day e diz mais ou menos assim: “all I do is
talk to my pillow, talk about the boy i’m gonna marry someday, somehow,
somewhere” [tudo que eu faço é falar com meu travesseiro sobre o garoto com
quem irei casar algum dia em algum lugar]. Toda essa fachada de modernidade é
uma mentira construída para passar essa mensagem, o que não desmerece o filme.
A atuação de Hudson, Day, Ritter e Randall é sensacional. O technicolor também.
A química Hudson-Day também é fascinante, eles representam esse casal com todos
os –inhos possíveis: perfeitinhos, arrumadinhos, felizinhos, casadinhos.
O que sempre me assustou é a grande semelhança que encontro nos dias de hoje com esse filme. Quantos anos de 1959 até 2013 se
passaram? Poucas coisas mudaram. Ainda temos comédias estilo Pillow Talk circulando por aí e ninguém
vê nada de errado nos valores reproduzidos por elas, valores que remontam a década de 50.
Podemos aceitar ver esse tipo de coisa em Pillow Talk, pois estávamos em 1959.
Mas 2013? Eu não consigo admitir.
Publicado por: Jessica Bandeira
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