Há 28 anos atrás ia ao ar o piloto de uma das
séries mais amadas e célebres dos anos 80: The
Golden Girls. Talvez a sua mãe se lembre, ela foi transmitida no Brasil com
o nome de As supergatas. Como
tradutora depressiva – daquelas que adora analisar tudo que envolve o assunto –
confesso que a tradução não dá bem conta do título. Mas quem se importa? The Golden Girls ultrapassa qualquer
tradução, mal feita ou não. Aliás, na França, a série se chama Les craquantes, algo como “As
rabugentas”.
The Golden Girls conta a história de quatro mulheres
vivendo juntas em Miami, na Flórida. O plot
é aparentemente simples se não contasse com um único detalhe: as protagonistas
estavam na casa dos 50 anos. Tenho certeza que quando Susan Harris, a criadora
da série, apresentou o piloto à NBC [emissora que o exibiu], as reações não
foram lá muito receptivas. Ninguém sabia no que podia dar. Ou seria um sucesso
ou um fracasso. Em tempos de Dinastia,
de Joan Collins e seu rosto de cera, uma série com mulheres acima dos 50 e que
pareciam ter essa idade era arriscado. Se você olhasse para a grade da
televisão dessa época, perguntar-se-ia: o que essa série está fazendo aí? São
raros os momentos em que existe uma ruptura que proporciona a criação de algo
grandioso, que mudará para sempre a visão sobre algo. I love Lucy foi uma dessas quebras da televisão americana dos anos
50. Golden foi, para mim, a grande
quebra das regras da televisão americana dos anos 80.
A série promoveu uma revolução no que diz
respeito à visão que a sociedade tinha da mulher acima dos 50. Se antes ter
essa idade era considerado “o fim da vida”, agora não mais. As quatro
protagonistas são mulheres ativas (todas ainda trabalham) , saem, namoram,
discutem problemas. Tudo isso regado a muito cheesecake, a receita preferida das protagonistas e que se tornou
marca registrada do seriado. The Golden
Girls discute a velhice de uma maneira engraçada, mas sem cair na pieguice.
Há um diálogo de que gosto muito, em que a personagem Rose Nylund (Betty White)
diz: “Triste é você sentar e suas coxas se espalharem pela cadeira, isso sim é
triste”. São pequenos diálogos que fazem com que nos identifiquemos, ainda que
não tenhamos a idade das protagonistas. É o que talvez, nas minhas teorias
malucas, faça de Golden um seriado tão
adorado por pessoas de diferentes faixas etárias: o roteiro é tão bem escrito,
tão verdadeiro que você começa a se considerar da família lá pelo quinto
episódio. Slut shaming, AIDS,
homossexualismo, thin shaming, preconceito
racial: alguns dos temas retratados pelo seriado. E o melhor é que eles
receberam todo o respeito e seriedade merecidos. No entanto, no caso de Golden, um roteiro bom e quebra de
regras não são os únicos motivos para o sucesso do seriado. Seria deveras
injusto se não creditássemos uma parte do sucesso às atrizes que deram vida a
essas mulheres tão peculiares. A nata da televisão americana estava presente em
Golden. Temos Betty White, que
interpretou a ingênua Rose Nylund, uma espécie de galinha dos ovos de ouro.
Todos os projetos que essa linda aceitou participar foram um sucesso tremendo.
Depois de Sue Ann Nivens, personagem que a consagrou na série dos anos 70 Mary Tyler Moore, foi a vez de inovar.
Já que Sue Ann era muito parecida com Blanche Devereaux, papel que a princípio
seria de White, ela decidiu ficar com o papel de Rose. Se olharmos as duas
séries, não há como reconhecer. A versatilidade de Betty prova que ela é uma
das melhores, senão a melhor, atriz de comédia dos Estados Unidos. Bea Arthur
(Dorothy Zbornak) e Rue McClanahan (Blanche Devereaux) também vieram dar um
toque todo especial à série. Elas já tinham trabalhado juntas nos anos 70,
durante a série Maude, o que possibilitou uma
química impressionante na tela. Por último, Estelle Getty (Sophia Petrillo)
para interpretar a mãe rabugenta de Dorothy. Elas eram tão maravilhosas que The Golden Girls foi uma das únicas
séries em que todas as protagonistas ganharam um Emmy por sua atuação.
A amizade das protagonistas é mais forte que
tudo, inclusive que os homens que passavam pela série. Li recentemente isso em
algum artigo e me parece interessante trazer a discussão sobre o girl power presente em Golden para esse post. Todos os homens
que passaram pela série, com exceção do homem com quem a personagem Dorothy se
casa no final da série, são superfluos em relação à amizade delas. Existe uma
tentativa de passar a mensagem de que os homens não são extremamente
necessários na vida das mulheres. Aqui temos mais uma das regras quebradas por Golden: uma mulher pode ser feliz de N
maneiras, o homem não precisa ser a única alternativa. O girl power também se manifesta quando vemos que a cada episódio
diferente, as protagonistas estão com um homem diferente. Elas parecem não se
importar muito com esse vai e vem , o que certamente faria os mais
conservadores pensarem que essas senhoras são mulheres nada respeitáveis.
Apenas a partir da 5ª temporada é que uma das personagens, Rose, tem um affair fixo.
Quando ainda nem existia um termo que
designasse a tentativa de impedir a demonstração da sexualidade da mulher – o
slut shaming – , The Golden Girls já
tratava do assunto. Blanche Devereaux (Rue McClananan) representa o estereótipo
da mulher sulista, uma Scarlett O’Hara modernizada, ou seja, muito emotiva,
muito dramática e muito, mas muito sensual. Nas palavras da personagem Dorothy
Zbornak: “O flerte faz parte da herança sulista dela”. Blanche gosta de
flertar, de sentir seu poder de sedução perante um homem. Gosta de falar de suas
experiências sexuais. Para ela, não há mulher mais bonita e mais sensual do que
ela mesma. É claro que suas roommates
não enxergam isso com bons olhos. Por isso, Blanche é constantemente censurada
por suas amigas durante as sete temporadas. Se fossémos contar o número de
vezes em que ela é chamada de tramp
[vadia em inglês], perderíamos a conta. Lembro-me de um episódio em que um
namorado das protagonistas flerta com ela. Blanche conta para a amiga, que a
repreende. Você está querendo roubar meu
homem, Blanche. Você não suporta ninguém feliz. Não suporta não ter um encontro. É engraçado ver que em se tratando
de Blanche, as outras protagonistas aceitam seu jeito. É a Blanche, entende?
Mas se for a mulher ao lado, elas irão falar mal, apontar que aquela ali não se
dá ao respeito. Enquanto isso, Devereaux continua com suas taras por Papai Noel
e confessando que mentiu diversas vezes que era virgem.
Todas as personagens sofrem algum tipo de
preconceito por parte das outras. Blanche, mesmo sendo vítima de slut shaming, gosta de fazer piadas com
a magreza de uma de suas roommates,
Dorothy Zbornak (Bea Arthur). Aliás, Dorothy sofre thin shaming – a aversão, o preconceito com pessoas magras – a
série inteira. Ela não é poupada nem por sua mãe, Sophia Petrillo, que “pagaria
qualquer um para ter um encontro com sua filha”. Existe uma cena em que Rose e
Blanche ficam rindo ao imaginar Dorothy nua. O thin shaming só termina quando Zbornak
casa-se na última temporada, mostrando que aquela que tinha menos “atributos
físicos” (sou suspeitíssima para falar, pois acho Beatrice Arthur uma das
coisas mais lindas que a televisão americana já produziu) é quem leva a melhor
no fim das contas.
Passaram-se 28 anos e The Golden Girls continua a ser reprisada pelo canal Hallmark. Há
fanzines dedicados à série. Tudo isso porque, ainda que a série date de 1985,
seus temas continuam extremamente atuais e pertinentes. São poucos seriados que
sobrevivem assim. Parabéns, Golden Lindas!
Deixo um recadinho da Sophia para vocês...
Publicado por: Jessica Bandeira
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