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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Uma aventura em Paris (1942)



A Segunda Guerra Mundial foi um período bastante fértil para o cinema. Depois de chutar o pau da barraca e resolver romper com a colaboração alemã (sim, os americanos colaboraram para difundir ideias fascistas com seus filmes, mais detalhes no texto sobre o filme Tempestades d’alma), os americanos decidiram que era hora de arregaçar as manguinhas e detonar os alemães da melhor forma possível: fazendo filmes.

Essa atitude foi motivada por questões financeiras, uma vez que os filmes americanos não podiam mais entrar na Alemanha. Isso gerou uma grande perda de dinheiro, pois o segundo maior mercado de exportação de filmes pertencia aos alemães. Os estúdios ficaram furiosos. Como consequência temos diversos filmes de guerra contra o nazismo, que passavam pela OWI (Office of War Information), órgão criado por Franklin D.Roosevelt. A pergunta chave desse escritório, que tinha uma subdivisão dedicada ao cinema, era: “Este filme irá ajudar a ganhar a guerra?”.

Talvez Uma aventura em Paris (Reunion in France) não tenha ajudado a ganhar a guerra, mas certamente mostrou-se eficaz ao retratar a vida na França ocupada pelos alemães.


Uma aventura em Paris conta a história de Michèle de la Becque (Joan Crawford), uma mulher rica que não tem consciência do que está acontecendo em seu país. Na primeira cena, enquanto um general discorre sobre como a França está protegida dos alemães, ela está bebendo e fazendo carão (Joan rainha dos carões). Fica muito claro para nós, no começo, que ela despreza esse papo patriota de “A França está nas mãos de vocês”. Robert Cortot (Philip Dorp) é o responsável pelo fornecimento de carvão, o homenageado da celebração na qual Michèle não poderia estar menos entediada. Ela sai, vai tomar um ar e descobrimos que eles são um casal.

O tom patriótico do filme nos é mostrado desde a primeira cena entre o casal. Há um descompasso entre eles: enquanto Michèle quer living la vida loca Robert não consegue deixar seu amor pela França de lado. Ele não aceita viajar com ela até Biarritz, pois a invasão da França pela Alemanha está cada vez mais perto. Como um francês que se preze, ele precisa mostrar amor pelo seu país. “A França está em guerra e o amor, em tempos de guerra, é considerado uma ofensa” – ele diz.

Joan Crawford e John Wayne.


O clima de tensão vai crescendo até culminar na invasão da França pela Alemanha. Cenas reais, dos alemães marchando em Paris, Hitler observando a Torre Eiffel são mostradas. Acredito que elas dão um caráter mais “realista” ao que acontecia, talvez fosse difícil imaginar o caos e o pavor que os franceses sentiram nos quase quatro anos de ocupação alemã. Daí a necessidade de inserir cenas reais, provavelmente que apareciam nos noticiários da época.  A guerra vai se agravando e a vida de Michèle também. E é aí que Uma aventura em Paris consegue dar o recado.

Michèle chega em casa e percebe que ela foi tomada pelos alemães. Agora terá que morar em um quartinho e deve respeito às pessoas que invadiram seu país. O filme acerta em mostrar um pouco do que foi o processo de ocupação da França pela Alemanha. Há um livro bastante interessante sobre esse assunto inclusive: Paris, a festa continuou. Voltando ao que interessa, Uma aventura em Paris mistura realidade e ficção na medida certa. Há uma menção ao dia em que os alemães chegaram no Museu do Louvre e levaram todas as pinturas. Havia um movimento muito forte nesse aspecto, os judeus franceses tiveram de esconder suas relíquias, já que a Alemanha tinha muito interesse em tomar o lado cultural francês. Porque, convenhamos, em matéria de artes os franceses são nota 20. Michèle tem a casa tomada, mas o pior ainda está por vir: seu namorado, o valoroso Cortot, virou uma colaborador.



A questão da colaboração francesa com a Alemanha é um assunto bastante delicado para os franceses até hoje. Depois de todo aquele papo patriótico do começo do filme chega a ser engraçado ver Robert socializando com seus inimigos. Porém, é preciso lembrar que, na vida, as coisas nem sempre são preto no branco. Isso quer dizer que a colaboração não pode ser vista apenas pelo ângulo de “nossa, que traidor, ele colaborou”. Havia muitas coisas em jogo para as pessoas naquela época. Para começar suas vidas. Era a colaboração ou morrer. E muitas pessoas escolheram colaborar não porque tivessem de repente virado a casaca, mas por uma questão de sobrevivência. Assim como houve um movimento muito forte na época da colaboração (colabore ou morra digamos assim), na época da libertação também houve certo radicalismo nos julgamentos. Mulheres que “colaboraram” com os alemães foram arrastadas pelas ruas de Paris, tiveram os cabelos raspados e sua dignidade perdida. Lembro de uma frase da atriz Arletty, acusada de colaboração: “O meu coração é francês, mas meu cu é internacional”.

O que acontece à Michèle é reflexo do que também aconteceu às americanas de certa forma. Algumas, com os maridos fora, tiveram de começar a trabalhar. Assim, ela vai trabalhar na loja de roupas em que antigamente ela costumava ser mal educada com as funcionárias. A guerra muda a visão de Michèle sobre o próprio país, uma mensagem que convinha bastante ao governo americano. Ela começa a perceber seu amor e lealdade, ainda mais porque esconde em seu quartinho Pat Talbot (John Wayne), membro da RAF (Royal Air Force). Nesse aspecto Uma aventura em Paris acerta, colocando um pouco de patriotismo no coração dos americanos. Mesmo que o filme seja sobre a França.

Uma aventura em Paris é um ótimo filme para conhecer a máquina de propaganda de guerra americana. Eles eram campeões nisso. Apesar do interesse financeiro (porque quando estava tudo bem com a Alemanha filmes que os ofendessem nem pensar) , filmes como esse são relíquias e ótimas ferramentas para estudarmos um pouco mais sobre esse conflito.

Curiosidades:
  • Este foi o segundo filme de guerra de Joan Crawford desde Vivamos hoje (Today we live) de 1933;
  • Crawford fazia parte de uma lista de atores cujos filmes não podiam entrar na Alemanha. Os filmes dos atores dessa lista eram proibidos porque mantinham relações com elementos que os alemães julgavam ruins;
  • Joan casou-se com Philip Terry, seu terceiro marido, no começo das gravações de Uma aventura em Paris;
Publicado por Jessica Bandeira.

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