O cinema é o contrário de um jornal televisivo
François Truffaut
O último filme de Truffaut, De repente num domingo, é um mergulho
naquilo que o diretor acreditava ser o cinema: uma válvula de escape à
realidade. Portanto, ao escolher o p&b e uma trama tipicamente de filme noir para seu último filme, o cineasta
despedia-se do público voltando às origens de um tipo de cinema que parecia
muito distante – e parece muito mais hoje em dia – no começo dos anos 80.
Da esq. pra dir: François Truffaut, Fanny Ardant e Jean-Louis Trintignant |
O próprio Truffaut declarou que Vivement dimanche! tem conteúdo americano, toda a bagagem do filme noir neste caso, mas humor francês. E é verdade, talvez a maior prova disso seja que apesar de ser um filme noir, Vivement não preza por ser sério. Pelo contrário, são as gafes cometidas pela secretária que fazem do filme um noir as avessas, digamos assim.
Esposa de Julien Vercel assassinada. |
Truffaut, de certa forma, subverteu o esperado
de um filme noir no que diz respeito
à figura feminina, Fanny Ardant. Em quase todos os filmes noir há a figura da femme
fatale, a mulher que manipula e despedaça a vida do nosso heroi-perdedor.
Ela é esperta e consegue prendê-lo em uma teia em que o personagem só pode sair
morto dela. E a femme fatale é uma das protagonistas do filme, claro. Em Vivement, não temos isso; temos a
presença de uma mulher forte, Barbara. A secretária é a musa do filme (e a musa
do Truffaut naquela época também, como poderia ser diferente?), ela é diferente
das personagens femininas típicas de filme noir.
E isso talvez marque bastante o fato de que De
repente num domingo é filme com bagagem noir, MAS filmado nos anos 80. Barbara não precisa impor respeito em um
mundo essencialmente masculino com o corpo; ela o faz através de sua inteligência.
Acho que aqui temos uma marca Truffaut, suas personagens femininas sempre estão
além das expectativas, daquilo que é esperado pelo fato de serem mulheres. Mesmo
amando filmes noir com todo meu coração,
a marca machista está escrita e marcada, no momento em que a mulher sempre é a
culpada pela tragédia do protagonista. Que as mulheres manipulam e que são o
mal da humanidade, mais ou menos por aí.
De repente num domingo causou mais ou menos o mesmo
impacto que O artista na época em que
foi lançado. Como assim um filme PRETO E BRANCO? Existem filmes coloridos já,
alô! Quando perguntado sobre a questão da cor, Truffaut respondeu que, para ele,
a cor representava a vida cotidiana. As pessoas iam ao cinema para escapar do
cotidiano, e para ele, o p&b era a exaltação máxima desse escapismo. Ele prefere
deixar as cores aos telejornais. Seu filme anterior, O último metrô, já tinha sido colorido, então qual era o grande
problema em voltar às origens p&b? Todo o clima noir, a trilha sonora dramática, os closes no rosto de Fanny Ardant
fazem de De repente num domingo digno
de ser visto e revisto. Uma grande despedida de um dos maiores cineastas
franceses de todos os tempos.
Publicado por Jessica Bandeira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário