Quando o canal
Universal ainda se chamava USA, os sábados à noite eram dias sagrados para mim.
Eu era criança, talvez tivesse uns seis ou sete anos, mas a imagem de uma
garotinha loira e sua madrinha deitadas no sofá cor de vinho de um antigo apartamento
assistindo Além da imaginação permanece
como uma das melhores lembranças da minha infância. Consigo lembrar o medo que
sentia quando a famosa música de abertura começava e aquelas sequências de
imagens, quase inspiradas no sonho de James Stuart em Um corpo que cai, invadiam a tela. Os anos se passaram, mas Além da imaginação permanece cultuado
por fãs de todas as idades e é considerado um dos precursores dos
programas/seriados do gênero ficção científica, suspense e terror.
Além da imaginação (The Twilight zone) começou como um programa de rádio, escrito pelo dramaturgo Norman
Corwin. No entanto, ele se consolidaria de fato como programa de televisão,
exibido pelo canal CBS de 1959 a 1964. Mas muita água rolou no moinho até que
Além da imaginação surgisse no formato que conhecemos. Em 1958, a CBS comprou
um roteiro chamado The time element,
pensado inicialmente para ser dirigido por Alfred Hitchcock. Ele contava a
história de um sujeito que tinha um sonho recorrente de acordar em Honolulu,
pouco antes do ataque japonês a Pearl Harbor. Seu médico não acredita no
personagem, que diz poder viajar no tempo. No final do episódio, descobrimos
que tudo não passou da fantasia do médico, pois seu paciente havia morrido em
Pearl Harbor, sendo impossível que ele pudesse estar consultando. Assim
terminava o episódio que definiu o contorno de Além da imaginação, e ele teria
ficado engavetado durante anos se não fosse a persistência de Bert Granet, que
descobriu o roteiro perdido e resolveu filmá-lo na Desilu, a produtora de Desi Arnaz
e Lucille Ball. Quando The time element estreou,
começaram a chover cartas para a CBS. Vendo que o tema fazia sucesso entre os
espectadores, a CBS começou a conversar novamente com o roteirista Rod Serling
para negociar a filmagem de Além da
imaginação.
A série deu aos
americanos tudo que eles mais gostavam: uma dose de paranoia somada à menção a
temas atuais. Como assim? Além da
imaginação estreou em pleno auge da Guerra Fria, em um momento em que as
pessoas viviam a paranoia comunista e a corrida espacial. Se as pessoas já
estavam preocupadas com o fato de que uma bomba jogada pelos russos varresse a
humanidade, imagine assistir sua imaginação tornar-se “realidade” na série. Além da imaginação sabia que por mais
que os americanos tivessem medo de serem exterminados, temas como a morte,
viagens no tempo, as dimensões além das que conhecemos fascinavam os
espectadores. Eles não podiam evitar, e a CBS sabia que tinha criado uma
franquia milionária explorando os medos e paranoias de seus espectadores.
Outro trunfo da
série é sua produção cuidadosa. No episódio em que Burgess Meredith sobrevive à
bomba atômica, a cidade em ruínas reproduzida é impressionante. Em outros
episódios, a produção é simplória, o que não o torna pior do que os bem
produzidos, pois o que sustenta Além da
imaginação são suas histórias surpreendentes, cheias de reviravoltas. A
série nunca teve a proposta de ser assustadora, quer dizer, sangue, esse tipo
de coisa. Na verdade, o “medo” é provocado por uma espécie de terror psicológico.
E se eu acordasse um dia e não houvesse mais ninguém na Terra? E se as
penintenciárias ficassem no espaço e eu ficasse sozinho por lá? Como disse no
parágrafo anterior, a série explora nossos medos existenciais, medos primários,
como a morte, por exemplo.
Além da versão
dos anos 60, outras duas foram feitas: uma nos anos 80 e a outra em 2002.
Assisti apenas alguns episódios, mas é interessante perceber como a abordagem
do terror mudou em tão pouco tempo. Em um episódio da versão de 2002, temos
bonecas assassinas que atormentam uma criança durante a história. As cenas de
violência e assassinato são mais explícitas, o que não tinha nos anos 60, já
que a violência explícita/sangue era algo que não era aconselhável na televisão
e no cinema. Talvez a magia de Além da
imaginação versão anos 60 resida naquilo que não é mostrado, nas lacunas
que a cena te deixa para preencher.
Esse é o Cine
Espresso no além da imaginação.
Publicado por:
Jessica Bandeira.
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