No sábado à noite, quando Jared Leto ganhou o
prêmio SAG por sua atuação em Dallas
Buyers Club, percebi que já passava da hora de escrever um post sobre esse
filme para o blog. Isso porque a vitória do ator, que interpretou uma
transexual, é digna de destaque. Michael Douglas também tem seus méritos,
afinal em seu Behind the candelabra (outro
filme digno de review!), ele também interpreta um personagem portador do vírus
HIV, mas que descobre o vírus quase no final da vida. Existe uma diferença
importante entre os dois filmes. Dallas
buyers club é cru, sem rodeios e tem o propósito de retratar como a AIDS e
seus efeitos nos anos 80; Behind the
candelabra centra-se na figura do pianista Liberace e não tem tanto apelo
social como o primeiro. O discurso de Leto no SAG deixa bem claro, para mim, a
importância de um filme como Dallas
buyers no cinema. Principalmente concorrendo à categoria tão desejada de
“melhor filme” no Oscar.
Dallas buyers club (Clube de compras Dallas por aqui) já começa dando um tapa na nossa
cara, ao mostrar um jornal noticiando que Rock Hudson estava com AIDS. A
escolha por esse começo não é fruto do acaso, na verdade, ela é genial. O
roteirista Craig Borten nos coloca diante de um fato real – o mundo chocado ao
saber que uma grande estrela da era de ouro de Hollywood era portador do HIV –
na tentativa de mostrar o quanto a AIDS chocou as pessoas nos anos 80. Elas pensavam:
como esse cara, esse símbolo sexual pode ter AIDS? O pensamento era mais ou
menos assim: se Rock tinha AIDS, meu Deus, ninguém está a salvo. Quando não
dava mais para segurar a onda, Hudson autorizou sua assessora a contar para o
mundo seu segredo. Ele teria dito algo sobre cavar o próprio túmulo, o que já
indiciava o inevitável: a destruição de sua imagem garanhão. Existem imagens do
anúncio inclusive, e elas são muito tristes. Os personagens de Dallas buyers
discutem sobre a sexualidade do ator, não acreditando que “todas aquelas
beldades desperdiçadas”. Aqui temos o estereótipo que predominou nos anos 80,
de que a AIDS era a doença dos homossexuais, de quem era promíscuo e todo esse
papo babaca. O personagem de Matthew McConaughey vai nos provar que não era bem
assim.
O filme conta a história real (com alguns
toques de ficção, já chegaremos lá) de Ron Woodroff, um eletricista que um dia
sente-se mal, vai para o hospital e descobre ser portador do HIV. Para um cara
homofóbico como ele é difícil aceitar a doença. Ron é do tipo que fazia
piadinhas homofóbicas com seus amigos no bar, mas mais do que isso, o cara mora
no Texas. Vocês imaginem o nível de macheza desse personagem, que monta em
rodeios, pega um milhão de mulheres e cultua a imagem viril do homem texano.
Ele discute com a médica Eve Saks (Jennifer Garner,
ótima no papel), declarando que não poderia ser verdade, já que a AIDS era uma
doença de veado, e como ele poderia
ter uma doença de veado?? Os médicos
lhe dão 30 dias de vida. Só que Ron viveu sete anos.
É aí que o Buyers Club entra na história. Ron
tenta participar dos testes de AZT, uma nova droga que ajuda a enfrentar os
efeitos da doença. Sem sucesso, ele acaba em um médico no México, onde é
tratado a base de uma dieta de vitaminas e outros ingredientes. Esse médico
mexicano lhe diz que era para ele parar de tomar AZT (a essa altura do filme
ele já havia conseguido a droga ilegalmente), que fazia mal. Entre os efeitos
adversos estava a baixa da imunidade. Coisa que os laboratórios não noticiavam,
já que era lucrativo vender AZT. Ron decide fundar seu Buyers Club, inspirado
nos já existentes na Flórida e em N.Y, com a ajuda do médico, que lhe
forneceria as drogas. Por 400 dólares ao mês, o associado receberia todas as
drogas que precisasse. Ele foi pensado como uma alternativa ao AZT e aos
grandes laboratórios, além de atender pessoas que não tinham dinheiro para
comprar AZT.
A personagem Rayon (Jared Leto) surge na história
ainda quando Ron está hospitalizado, e ela divide o leito com ele. Ela o trata
bem, mas Ron não consegue esboçar uma reação que não seja transfóbica. Antes de
montar o Buyers Club, eles têm uma conversa e Rayon lhe pergunta quanto ele
cobra para oferecer as drogas de controle ao HIV para ela e outras colegas. Ron
esboça novamente sua reação transfóbica, fazendo com que Rayon saia do carro após
dizer que jamais daria seu dinheiro a um homofóbico como ele. Depois eles
acabam se “acertando” e ela se torna sócia no negócio. É interessante notar que
o crescimento de Ron como pessoa acontece ao mesmo tempo em que ele vivencia a
própria decadência física em decorrência da doença. De transfóbico/homofóbico,
Ron aprende a conviver com a diferença, pois muitos dos clientes do Buyers Club
eram homossexuais ou trans. Há uma cena particularmente muito bonita e ela
acontece no supermercado, quando Ron encontra um de seus amigos homofóbicos/transfóbicos.
O amigo em questão aponta para Rayon dizendo: olha lá aquele veado. Ron diz que
na verdade ela é uma amiga dele e o traz para se apresentarem. Ela dá a mão ao
amigo, que fica com nojo e acaba não a cumprimentando. Dê a mão para ela, dê a mão para ela – Ron fica repetindo ao passo
que Rayon não sabe o que fazer. No auge de sua irritação por aquele
comportamento transfóbico, Ron obriga o amigo a dar a mão para ela. Acho que
esse foi o momento de virada do personagem. O roteirista de Dallas Buyers Club relatou que criou o
personagem de Rayon justamente para mudar o caráter de Ron, uma vez que essa
personagem não existe na vida real.
O filme levou 20 anos para ser feito, os
roteiristas tinham material de sobra sobre Ron: entrevistas, vídeos caseiros,
etc. A irmã e filha de Ron disse que evitam entrar na internet para ver Matthew
caracterizado como Ron, uma vez que para elas é quase insuportável enxergar
como o ator ficou parecido com ele. E claro que não poderíamos não falar da
caracterização de Jared Leto e Matthew McConaughey. Matthew teve acompamento médico
para emagrecer 18 kgs, o que não foi o caso de Jared. Como este último assinou
o contrato em cima da hora, teve de recorrer a medidas drásticas, como só beber
água por exemplo. Além do emagrecimento também raspou as sobrancelhas (só eu o
achei mais bonito de Rayon do que de Jared Leto?) e depilou o corpo. Mas mais
do que as transformações físicas, Jared diz que a maneira de representar o
personagem é importante.
[O verdadeiro Ron Woodroff]
Sei que a disputa para melhor filme do Oscar
este ano está acirrada, mas gostaria muito que Dallas Buyers vencesse. O tema da AIDS, do preconceito contra os
homossexuais e transexuais é algo que esse filme retrata sem cair nos estereótipos
e no caráter pejorativo. É uma temática muito importante, que deve ser
discutida. Minha avó me contou semana passada ou retrasada que seu antigo patrão,
toda vez que apertava a mão de um conhecimento portador do HIV, ia correndo ao
banheiro lavar as mãos. Muitas pessoas ainda pensam que apertar a mão, beijar
transmite o vírus. Elas propagam preconceitos sem ver. O que Dallas Buyers Club faz é dar voz a essas
pessoas que só querem respeito. É só o que elas nos pedem. Não é muito, não
acha?
Dedico esse post à
Paola, que sempre me acrescenta muito com nossas discussões sobre gênero,
transgênero, sociedade e Fleetwood Mac.
Publicado
por Jessica Bandeira.
Obrigada pela dedicatória!!! Amei o post, fiquei com mais vontade de assistir ao filme :)
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Adorei o post. Li várias críticas sobre o filme, porém nenhuma delas esclarecia o fato de que Rayon é na verdade um personagem fictício. Esse é um detalhe bem importante que não deve passar despercebido. Obrigada pelo esclarecimento! :D
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