Em uma época em
que não existia 3D, Mary Poppins foi
talvez A sensação de 1964. Não era a
primeira vez em que os estúdios Walt Disney reuniam animação e pessoas de
verdade – os filmes de Zé Carioca e as irmãs Miranda foram os pioneiros -, mas
esse tinha um toque a mais. Pegue a doçura de Julie Andrews, as palhaçadas de
Dick Van Dyke e misture com uma pitada de um romance que nunca existiu. Agora
adicione músicas e danças a uma colher de uma história muito bem contada.
Depois que você assiste Mary Poppins é supercalifragilisticexpialidocious!
Ao contrário do
que o leitor está pensando, não, esse não é um post sobre o filme Mary Poppins. Saving Mr. Banks (Walt nos
bastidores de Mary Poppins por essas bandas) é sobre P.L Travers, a autora
do livro que inspirou o filme. Mary Poppins está presente o tempo inteiro, já
que é a menina dos olhos de P.L Travers, mas o que vemos na tela são suas
angústias em relação à vida, não apenas o fato de que Disney poderia adaptar
sua obra e ela simplesmente ir por água abaixo.
P.L Travers
chegou a Los Angeles em 1962, a contragosto e achando essa cidade com
cheiro de “suor e esgoto”. Nos primeiros minutos de filme já conseguimos ter
uma noção de sua personalidade. A impressão que P.L Travers nos dá é a pior
possível: chata, arrogante, mandona. Ela se parece muito com o Mr.Banks,
personagem de Mary Poppins. Mr.Banks,
pai de Michael e Jane, é um homem metódico, que faz tudo igual e que gosta
muito disso – aliás, a música cantada por ele contando tudo isso em Mary Poppins é genial– e que não está
disposto a ser contrariado. P.L Travers é um Mr.Banks em Los Angeles, que
parece tentar sabotar Mary Poppins o
tempo inteiro. Ela não gosta das músicas. Nem do roteiro. Acha que estão
transformando Poppins em uma caricatura. Não quer saber de animação no filme.
Ficamos com raiva dela, com pena do coitado do Walt Disney, até o momento em
que o filme vira. E esse momento é precisamente quando começamos a mergulhar no
passado da escritora. Assim como quando conhecemos melhor a vida de Mr.Banks.
Não há dúvidas: Mr Banks é P.L Travers. E talvez seja por isso que ela tenha
ficado tão furiosa quando tentaram demonizar o personagem. Mas falaremos melhor
sobre isso daqui a pouco.
Nenhum filme que
eu vi até hoje mostrou tão bem a relação escritor e obra quanto Saving Mr.Banks. Mary Poppins é a vida de P.L Travers. Ela foi
inspirada na irmã de sua mãe, que literalmente veio de longe para tentar salvar sua família
de um desastre. É a vida da escritora de uma maneira bem mais alegre, pois a
família Banks é rica, ao contrário dos Travers, que viviam uma vida miserável
no interior da Inglaterra. No entanto, as duas famílias tem algo em comum: um
pai amoroso e incompreeendido. O pai de P.L Travers é um homem sonhador, que não
se importava muito com dinheiro. Trabalhava em um banco, só que sempre perdia o
emprego por causa de seu alcoolismo. O que não o torna menos adorável aos
nossos olhos. A relação entre esse pai e a escritora vai sendo construída aos
nossos olhos através de flashbacks, que
tentam descortinar a personalidade difícil da escritora. Trata-se de uma cumplicidade,
os dois sabiam enxergar a vida além da falta de dinheiro e miséria que ela
proporcionava. O elemento mágico de Mary
Poppins, podemos encontrá-lo nessa relação tão especial. Já o Mr.Banks de Mary Poppins também é incompreendido.
Trabalhando em um banco, querendo a ordem em casa... mas será que esse homem não
pensa em mais nada? Há um diálogo maravilhoso entre Bert (Dick Van Dyke) e os
filhos de Banks em que ele diz que Mr.Banks não tem ninguém que cuide dele. Neste
momento seus filhos percebem que devem cuidar do pai. Aqui dá para enxergar
muito bem como a vida de Travers atravessou sua obra. Isso porque existe uma
culpa (muito bem mostrada pelo filme através dos flashbacks) sentida pela autora. Ela nunca cuidou do seu pai. Sua
tia não conseguiu “salvá-lo”. Mas você
disse que resolveria tudo! – diz a pequena Travers a ela quando vê o pai
morto. Por isso, ela fica tão aborrecida quando tentam demonizar Mr.Banks. Esse
personagem é uma versão de seu próprio pai e, através de Mary Poppins, ela queria mostrar que as crianças devem valorizar a
relação afetiva com seus pais. Mr.Banks, assim como seu pai, não era o cara que
as pessoas que ele era. Como as pessoas precisam de uma segunda chance.
Basicamente Mr.Banks ganha uma segunda chance ao ser despedido do banco onde
trabalhava.
Para os que
assistiram Mary Poppins é um prazer
inomeável (talvez um prazer supercalifragilisticexpialidocious) ver como esse filme foi pensado
e feito. Desde o guarda-chuva de Mary até o nome da mãe das crianças, Winifred; tudo foi discutido incessantemente. Os ataques de Travers com os roteiristas e compositores
são ótimos. Por mais que fiquemos furiosos é compreensível que ela fosse
tão protetora. Imagina alguém transformar algo que você escreveu em algo que
você não se reconhece mais! Nos faz pensar nas obras adaptadas para o cinema,
como Harry Potter e Senhor dos Anéis. Será que J.K Rowling
foi tão firme como Travers? Acredito que não, pois Rowling não demorou 18 anos
(DEZOITO ANOS, MINHA GENTE!) para ceder os direitos de Harry Potter. Talvez o
momento mais legal dessa safra de informações sobre os bastidores seja Spoonful of sugar. Os compositores eram
tão cuidadosos que fizeram o refrão da música “subindo e descendo” (repare que
as duas vezes em que Julie Andrews diz helps
the medicine go down é diferente) para
dar a impressão do remédio descendo pela garganta. Não é genial?
Não poderíamos não
falar das atuações de Emma Thompson (no papel de Travers) e Tom Hanks (Walt
Disney). A química entre eles é sensacional. Emma realmente entra na
personalidade britânica; fria e distante; que contrasta com o jeito bem
americano de Walt. Você espera a qualquer momento que alguém vá explodir, pois
a simpatia de Walt é na mesma proporção que o desprezo de Travers. Particulamente
adoraria que Emma faturasse o Globo de Ouro pelo papel de Pamela (se bem que
essa maldita categoria de atriz dramática está cheia de atrizes maravilhosas),
mas vamos ver. Colin Farrell está sensacional no papel do pai de Travers. Ele consegue evocar a doçura e ao mesmo tempo o lado sombrio exigido pelo personagem. Uma coisa é certa; Hollywood adora uma cinebiografia. Agora
pense em uma cinebiografia que envolve Mary Poppins e Walt Disney. Emma tem
boas chances.
Saving Mr.Banks merece ser
visto. Os amantes de Mary Poppins irão se emocionar e os novos admiradores também.
É um filme delicado, que nos faz entender a importância de M.P para os estúdios
Walt Disney. Inesquecível.
Publicado por
Jessica Bandeira.
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