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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Walt nos bastidores de Mary Poppins (2013)



Em uma época em que não existia 3D, Mary Poppins foi talvez A sensação de 1964. Não era a primeira vez em que os estúdios Walt Disney reuniam animação e pessoas de verdade – os filmes de Zé Carioca e as irmãs Miranda foram os pioneiros -, mas esse tinha um toque a mais. Pegue a doçura de Julie Andrews, as palhaçadas de Dick Van Dyke e misture com uma pitada de um romance que nunca existiu. Agora adicione músicas e danças a uma colher de uma história muito bem contada. Depois que você assiste Mary Poppins é supercalifragilisticexpialidocious!


Ao contrário do que o leitor está pensando, não, esse não é um post sobre o filme Mary Poppins. Saving Mr. Banks (Walt nos bastidores de Mary Poppins por essas bandas) é sobre P.L Travers, a autora do livro que inspirou o filme. Mary Poppins está presente o tempo inteiro, já que é a menina dos olhos de P.L Travers, mas o que vemos na tela são suas angústias em relação à vida, não apenas o fato de que Disney poderia adaptar sua obra e ela simplesmente ir por água abaixo.

P.L Travers chegou a Los Angeles em 1962, a contragosto e achando essa cidade com cheiro de “suor e esgoto”. Nos primeiros minutos de filme já conseguimos ter uma noção de sua personalidade. A impressão que P.L Travers nos dá é a pior possível: chata, arrogante, mandona. Ela se parece muito com o Mr.Banks, personagem de Mary Poppins. Mr.Banks, pai de Michael e Jane, é um homem metódico, que faz tudo igual e que gosta muito disso – aliás, a música cantada por ele contando tudo isso em Mary Poppins é genial– e que não está disposto a ser contrariado. P.L Travers é um Mr.Banks em Los Angeles, que parece tentar sabotar Mary Poppins o tempo inteiro. Ela não gosta das músicas. Nem do roteiro. Acha que estão transformando Poppins em uma caricatura. Não quer saber de animação no filme. Ficamos com raiva dela, com pena do coitado do Walt Disney, até o momento em que o filme vira. E esse momento é precisamente quando começamos a mergulhar no passado da escritora. Assim como quando conhecemos melhor a vida de Mr.Banks. Não há dúvidas: Mr Banks é P.L Travers. E talvez seja por isso que ela tenha ficado tão furiosa quando tentaram demonizar o personagem. Mas falaremos melhor sobre isso daqui a pouco.

Nenhum filme que eu vi até hoje mostrou tão bem a relação escritor e obra quanto Saving Mr.Banks. Mary Poppins é a vida de P.L Travers. Ela foi inspirada na irmã de sua mãe, que literalmente veio de longe para tentar salvar sua família de um desastre. É a vida da escritora de uma maneira bem mais alegre, pois a família Banks é rica, ao contrário dos Travers, que viviam uma vida miserável no interior da Inglaterra. No entanto, as duas famílias tem algo em comum: um pai amoroso e incompreeendido. O pai de P.L Travers é um homem sonhador, que não se importava muito com dinheiro. Trabalhava em um banco, só que sempre perdia o emprego por causa de seu alcoolismo. O que não o torna menos adorável aos nossos olhos. A relação entre esse pai e a escritora vai sendo construída aos nossos olhos através de flashbacks, que tentam descortinar a personalidade difícil da escritora. Trata-se de uma cumplicidade, os dois sabiam enxergar a vida além da falta de dinheiro e miséria que ela proporcionava. O elemento mágico de Mary Poppins, podemos encontrá-lo nessa relação tão especial. Já o Mr.Banks de Mary Poppins também é incompreendido. Trabalhando em um banco, querendo a ordem em casa... mas será que esse homem não pensa em mais nada? Há um diálogo maravilhoso entre Bert (Dick Van Dyke) e os filhos de Banks em que ele diz que Mr.Banks não tem ninguém que cuide dele. Neste momento seus filhos percebem que devem cuidar do pai. Aqui dá para enxergar muito bem como a vida de Travers atravessou sua obra. Isso porque existe uma culpa (muito bem mostrada pelo filme através dos flashbacks) sentida pela autora. Ela nunca cuidou do seu pai. Sua tia não conseguiu “salvá-lo”. Mas você disse que resolveria tudo! – diz a pequena Travers a ela quando vê o pai morto. Por isso, ela fica tão aborrecida quando tentam demonizar Mr.Banks. Esse personagem é uma versão de seu próprio pai e, através de Mary Poppins, ela queria mostrar que as crianças devem valorizar a relação afetiva com seus pais. Mr.Banks, assim como seu pai, não era o cara que as pessoas que ele era. Como as pessoas precisam de uma segunda chance. Basicamente Mr.Banks ganha uma segunda chance ao ser despedido do banco onde trabalhava.

Para os que assistiram Mary Poppins é um prazer inomeável (talvez um prazer supercalifragilisticexpialidocious) ver como esse filme foi pensado e feito. Desde o guarda-chuva de Mary até o nome da mãe das crianças, Winifred; tudo foi discutido incessantemente. Os ataques de Travers com os roteiristas e compositores são ótimos. Por mais que fiquemos furiosos é compreensível que ela fosse tão protetora. Imagina alguém transformar algo que você escreveu em algo que você não se reconhece mais! Nos faz pensar nas obras adaptadas para o cinema, como Harry Potter e Senhor dos Anéis. Será que J.K Rowling foi tão firme como Travers? Acredito que não, pois Rowling não demorou 18 anos (DEZOITO ANOS, MINHA GENTE!) para ceder os direitos de Harry Potter. Talvez o momento mais legal dessa safra de informações sobre os bastidores seja Spoonful of sugar. Os compositores eram tão cuidadosos que fizeram o refrão da música “subindo e descendo” (repare que as duas vezes em que Julie Andrews diz helps the medicine go down é diferente)  para dar a impressão do remédio descendo pela garganta. Não é genial?

Não poderíamos não falar das atuações de Emma Thompson (no papel de Travers) e Tom Hanks (Walt Disney). A química entre eles é sensacional. Emma realmente entra na personalidade britânica; fria e distante; que contrasta com o jeito bem americano de Walt. Você espera a qualquer momento que alguém vá explodir, pois a simpatia de Walt é na mesma proporção que o desprezo de Travers. Particulamente adoraria que Emma faturasse o Globo de Ouro pelo papel de Pamela (se bem que essa maldita categoria de atriz dramática está cheia de atrizes maravilhosas), mas vamos ver. Colin Farrell está sensacional no papel do pai de Travers. Ele consegue evocar a doçura e ao mesmo tempo o lado sombrio exigido pelo personagem. Uma coisa é certa; Hollywood adora uma cinebiografia. Agora pense em uma cinebiografia que envolve Mary Poppins e Walt Disney. Emma tem boas chances.



Saving Mr.Banks merece ser visto. Os amantes de Mary Poppins irão se emocionar e os novos admiradores também. É um filme delicado, que nos faz entender a importância de M.P para os estúdios Walt Disney. Inesquecível.


Publicado por Jessica Bandeira. 

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